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    Mônica Bergamo

    'No Brasil, só te resta ser popular', diz Ingrid Guimarães sobre meio artístico

    11/01/2015 02h00

    É uma tarde quente de dezembro e a Ladeira Porto Geral, centro de compras popular de São Paulo, está lotada. Nem o calor nem os constantes pedidos de fotos-mais de 40 nos cerca de 30 minutos em que caminhou pela região- parecem incomodar Ingrid Guimarães.

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    "Sabe o que é isso? Superfoco. Minha analista há 12 anos fala que eu sou assim. Se estou trabalhando não me perturbo com nada", explica a atriz, antes de, educadamente, tomar o celular da mão de uma fã. "Deixa que eu ajeito", diz, ao fazer o ângulo perfeito para a selfie.

    A desenvoltura da também apresentadora em meio aos consumidores esbaforidos do lugar tem motivo. Ela passou os últimos meses frequentando shoppings, lojas e feiras para um novo quadro do "Fantástico" sobre consumo. "Compro, Logo Existo" tem estreia prevista para este mês.

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    "É um tema que me interessa muito, porque hoje em dia a gente está consumindo tudo no mundo. E não só coisas: também sentimentos, histórias, comida", afirma à repórter Marcela Paes.

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    O consumismo está em pauta também no "Além da Conta", programa que ela apresenta no GNT, acompanhando a rotina de compras de famosos nos EUA. Desta vez, mergulha nos hábitos de consumo de anônimos, em sua maioria da classe C. Ingrid esclarece que a atração da Globo aborda o tema com crítica, mas sem "julgar".

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    Em um dos episódios, ela aparece ao lado de uma consumidora usando o mesmo modelito. "Fui na inauguração da Forever 21 [grife americana de preços acessíveis] em Brasília e fiquei impressionada. Foi muito triste. Teve meninas que chegaram às 3h da manhã na fila!"

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    Conta que na sua adolescência era diferente. Lembra-se da época em que viajava com a peça "Confissões de Adolescente", aos 16 anos, com a turma de atrizes com quem contracenava -entre elas Maria Mariana e Carol Machado. Nenhuma era louca por compras, segundo ela.

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    "Meus objetos de consumo eram uma mochila da marca Company e uma calça 'baggy'. A gente quase não falava sobre esse assunto. Hoje tem o fato de você querer ter a mesma bolsa da [cantora] Rihanna. Antes a gente nem sabia nada dessas pessoas."

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    Tenta entender os novos tempos. "Mas também acho que é um acesso que uma certa classe tem e nunca teve antes. O querer pertencer a alguma coisa, o que é justo, né?" E conclui com um argumento que ouviu da apresentadora Glória Maria, entrevistada por ela para o "Além da Conta". "Por que nós, que tivemos acesso a vida inteira, podemos, e eles não podem?", disse, referindo-se ao consumismo da classe C.

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    As duas se jogaram nas compras em um episódio gravado em Nova York. "É tudo muito mais caro no Brasil", justifica-se Ingrid, que não se considera uma compradora compulsiva. Ela se define como "ex-dura" e atribui sua parcimônia na hora de gastar ao passado de atriz de teatro sem dinheiro, à educação que recebeu dos pais e a uma nova visão, adquirida com as pesquisas para o programa.

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    Para ela, as pessoas também compram para compensar frustrações. "Toda vez tem uma desculpa. Se você se separou, compra para começar vida nova. Se emagreceu, compra tamanhos menores."

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    A caminhada ladeira abaixo continua e um fã gruda em Ingrid. Insiste para que ela vá conhecer sua loja. "Não, querido, agora não posso", responde. "Iiii, pensei que você fosse mais humilde!", diz, inconformado, o comerciante.

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    "Sempre vamos desagradar alguém. Fui pra Disney com minha filha [Clara, 6] e ela está numa fase meio enciumada. Aí disse: 'Mãe, não quero que você tire foto, por favor'. Eu tentava explicar para cada um que pedia. Um monte de gente não entende." Ingrid diz compensar os pequenos incômodos da fama com o que seria seu trunfo: a capacidade de entender e se relacionar com o público.

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    "Tem gente no mundo artístico que tem preconceito com quem é popular. Mas tudo o que eles [os artistas] querem na vida é isso. Eu me fiz assim. No Brasil só te resta ser popular! Não adianta ganhar 24 prêmios e só 15 pessoas assistirem ao meu filme." A comédia "De Pernas pro Ar 2", que ela estrela, teve mais de 4 milhões de espectadores.

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    Ela, que no início da carreira estudou com o dramaturgo Antunes Filho, aprendeu a lição naquela época. "Ele mudou minha vida, me trouxe muita cultura que eu não tinha, porque era uma atriz intuitiva. Mas o Antunes dizia que preferia os 30 espectadores dele aos meus 3.000, porque os dele pensavam o teatro. Eu respondia que preferia os meus, que de fato viam o que eu estava fazendo."

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    Com filmes e peças de grande sucesso em mais de duas décadas de carreira, a goiana de 42 anos -radicada no Rio desde os 13- está em "fase de transformação" e se prepara para lançar incursões mais "cabeça". Filmou "Um Homem Só", de Claudia Jouvin, em que encara um papel "superdramático" e o "road movie" de baixo orçamento "Tudo Bem Quando Termina Bem", de José Eduardo Belmonte, com Fábio Assunção e Alice Braga.

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    Sem deixar de lado o humor. Nesta semana, estreou o longa "Loucas pra Casar", com Tatá Werneck e Suzana Pires. "Estou numa fase de priorizar os desafios. Claro que não vou abandonar o que me fez chegar aonde eu cheguei. Sinto muito orgulho de estar em um lugar onde eu consiga levar 5 milhões de pessoas para o cinema."

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    A busca por papéis mais sérios, diz, não tem relação com o medo de ser tachada como artista de uma nota só. "Olha, eu já sei que sou totalmente marcada como atriz de comédia. Mas isso não me incomoda mesmo! Cabe a mim mudar meu caminho. Ninguém vai fazer por mim."

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    Para ela que se considera uma "trabalhadora formiguinha", os momentos de muito sucesso pedem atenção redobrada. "Muita gente se ferra nessa hora. Você fica ocupada e tem mais dificuldade de perceber o outro. Trato cada trabalho meu como se fosse o primeiro, dou a mesma importância. Não persigo o sucesso", afirma.

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    Já o périplo pelas lojas é frustrado pelas constantes abordagens de fãs. A parada mais longa é numa casa de fantasias. "Minha filha adoraria isso", diz ela, brincando com um spray de espuma.

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    O passeio está quase no fim, quando Ingrid para abruptamente. "Nãoooo! Você vai passar por aí?", indaga, ao ver que a repórter se encaminha para debaixo de uma escada que bloqueava a calçada. Após se desviar da situação que para muitos traz mau agouro, ela explica: "Não que seja muito supersticiosa, mas nunca se sabe! As coisas podem mudar muito rápido".

    mônica bergamo

    Jornalista, assina coluna com informações sobre diversas áreas, entre elas, política, moda e coluna social. Está na Folha desde abril de 1999. Escreve diariamente.

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