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    Mônica Bergamo

    Empresário e desempregado contam como é a vida com e sem dinheiro

    07/06/2015 02h00

    De segunda a sexta-feira, Luciano Afif, 65, deixa sua casa em Moema, na zona sul, para ir à Punch, sua corretora de seguros, no centro de São Paulo. Sebastião Ferreira Leite, 65, está desempregado e não sai com frequência. Passa a maior parte do tempo na Morada São João, abrigo da prefeitura onde vivem 210 idosos em situação de vulnerabilidade, também na região central.

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    Cerca de 1,5 km separa os dois homens, que têm a mesma idade, mas condições sociais opostas desde a infância. A convite dos repórteres Adriano Maneo e Leonardo Neiva, eles se encontraram em um café no centro para trocar experiências.

    Descendente de sírio-libaneses e italianos, Luciano pertence a uma família conhecida no mundo dos negócios. Ele foi vice-presidente da Associação Comercial de São Paulo e é irmão caçula de Guilherme Afif, o atual ministro da Secretaria da Micro e Pequena Empresa.

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    Em Pernambuco, a família de Sebastião, ou Tião, como é conhecido, não teve a mesma sorte. "Meu pai era filho de índia. Os empregados da fazenda pegaram minha avó no mato e ela ficou na casa como empregada. Naquele tempo, os donos da fazenda eram os coronéis, né? Aí apareceu meu pai e mais um monte de filhos", conta.

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    Tião começou a trabalhar aos seis anos, em Pesqueira (PE). Sozinho, levava dois jumentos da fábrica de queijo do tio até uma fazenda, a poucos quilômetros dali, para buscar leite.

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    Saía pela manhã e retornava com o tonel cheio próximo à hora do almoço. À tarde, repetia a missão. Quando os bichos empacavam, precisava esperar um adulto passar para ajudá-lo a levantar os animais.

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    Aos 14 anos, perdeu o pai e abandonou a escola para tomar conta da vendinha da família. Veio para São Paulo aos 20 anos, na década de 1970, para "se aventurar".

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    Também jovem, aos 13, Luciano começou a trabalhar. Ele levou um susto quando, durante as férias do tradicional colégio São Luís, o pai o acordou com pontapés. "Filho meu não tem férias. Bota o terno e vai trabalhar", ordenou. Começou emitindo bilhetes de seguro de trânsito na Indiana Seguros, corretora fundada por seu avô em 1943. Tomou gosto pelo negócio e se formou em administração de empresas na PUC-SP. "Mas não pense que foi só facilidade", diz.

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    Quando questionado sobre sua renda, Luciano responde: "A gente está bem". Viúvo, mora sozinho em uma casa com piscina na zona sul. Em seu tempo livre, gosta de fumar charutos e viajar à sua casa na praia no litoral norte de São Paulo.

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    "Só recebo do governo essa renda cidadão, de R$ 80. Às vezes, faço um bico", conta Tião. Há um mês, entrou com pedido de aposentadoria porque a dor nas costas o impedia de trabalhar carregando caminhões.

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    Seu hobby é "namorar", diz. E dá risada: "Tem uma velha aí que vive no meu pé, mas eu vou inventar de namorar duro?".

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    Tião se separou da mulher "de corpo", como ele mesmo explica, em 1991, por causa das brigas frequentes. Um dia, desligou a TV e avisou aos filhos que estava deixando a mãe deles. Nunca se divorciou no papel.

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    Em 2007, Luciano perdeu a mulher, que lutou por anos contra um câncer de mama. Enfrentou uma forte depressão e, até hoje, diz continuar casado com a mesma pessoa. Em 2001, com a mulher doente, os médicos descobriram que o filho sofria de leucemia. "Eu me ajoelhei, pedi a Deus para me trocar por ele. Que me levasse e deixasse meu filho. Felizmente ele viveu."

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    Luciano e Tião afirmam que os filhos são a coisa mais importante de suas vidas. O empresário tem dois: o mais velho está montando sua própria seguradora e a caçula estuda arquitetura em Londres. "Agora dependo das notícias da minha filha pelo WhatsApp", lamenta Luciano.

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    Tião tem seis filhos, que visita quase toda semana. "Mas nenhum se interessou em conhecer o lugar onde vivo. Por que eles não vêm?" O ex-taxista divide um quarto com três idosos.

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    Luciano é cuidadoso com a saúde. Faz check-up uma vez por ano e pratica pilates, além de frequentar a academia. "Quero segurar meus netos no colo", diz.

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    Usuário do SUS, Tião só vai ao médico quando a situação é crítica. Afirma não ter paciência para pegar fila. "Não vou passar raiva nem tirar lugar do outro", diz.

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    Com vidas tão diferentes, Luciano e Tião se consideram felizes. O empresário acha que dinheiro não é essencial. "A realização vem antes do dinheiro. Eu aprendo muito com quem não tem nada. Estão sempre de paz com a vida, muito mais do que eu."

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    Tião está sempre rindo, mas em certos dias "acorda com bronca de tudo". "Não estou na rua. Dos seis filhos que tenho, nenhum pegou o caminho errado, sou feliz demais." Mas emenda: "Não sou feliz na parte financeira. Não tenho motivo para viver alegre, mas também não vivo triste. Vivo mais ou menos, assim meio a meio".

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    Sobre a morte, Luciano diz que, conforme "vai chegando mais perto, a gente é obrigado a aceitá-la". Tião concorda e conclui: "A morte é uma irmã boa. Não é falsa, não se corrompe. Não pega dinheiro para deixar o cara aqui mais tempo". Os dois riem.


    ADRIANO MANEO e LEONARDO NEIVA são trainees do Programa de Treinamento em Jornalismo Diário, patrocinado pela Friboi, Odebrecht e Philip Morris Brasil.

    mônica bergamo

    Jornalista, assina coluna com informações sobre diversas áreas, entre elas, política, moda e coluna social. Está na Folha desde abril de 1999. Escreve diariamente.

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