A cineasta americana Ava DuVernay, 43, que ganhou fama com o filme "Selma", indicado ao Oscar deste ano, posa para Annie Leibovitz, 66, em um estúdio com estética industrial em Nova York.
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Compenetrada, a fotógrafa parece manter-se alheia à presença da repórter Giuliana Vallone, que foi autorizada a acompanhar por dez minutos, em junho, a sessão de fotos da edição 2016 do calendário Pirelli. Conhecido pelo erotismo de suas imagens há mais de cinco décadas, ele vai trocar as modelos nuas e seminuas por mulheres consideradas fortes –e vestidas.
Ficar fora do raio de visão de Leibovitz foi uma das exigências da produção do ensaio, que permitiu a presença da Folha e de outros quatro órgãos de imprensa. O melhor ângulo da cena é proporcionado por um espelho colocado, por sorte, do lado oposto. No reflexo, é possível ver a cineasta sentada, vestindo uma saia vermelha.
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"Trouxe meu armário inteiro da Califórnia para o set. E essas foram as roupas que usei no avião", diz diz DuVernay. "Quando entrei no estúdio, ela [Leibovitz] disse: 'Perfeito! É uma saia-calça, é feminino'. E eu respondi: 'Não! Posso garantir a você que essas serão as roupas mais baratas que você já fotografou, custaram dez dólares numa barraquinha de rua'."
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De Leibovitz, uma das principais retratistas do mundo, a coluna ouve apenas uma frase: "Não gosto dela [DuVernay] sentada, mas ainda não estou preparada para colocá-la de pé".
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É a única vez durante os trabalhos em que a entrada no set é permitida. Enquanto outras personalidades convidadas –como a artista Yoko Ono, 82, e a tenista Serena Williams, 34– posam, os jornalistas têm que ficar confinados num apartamento do outro lado na rua do estúdio, no bairro de Greenwich Village.
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Na espera, os repórteres de diferentes nacionalidades estão ansiosos para irem ao set. Mas não são os únicos. Uma das porta-vozes da Pirelli, na empresa italiana há mais de uma década, diz que sua equipe também foi barrada.
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Leibovitz convidou mulheres que considera inspiradoras para esta edição, que será lançada em 30 de novembro. A lista inclui personalidades como a cantora Patti Smith, 68, a escritora Fran Lebowitz, 64, a atriz Amy Schumer, 34, a presidente emérita do MoMA (Museu de Arte Moderna de Nova York), Agnes Gund, 77, e a blogueira de moda Tavi Gevinson, 19.
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"Este calendário é completamente diferente", diz a fotógrafa. "A ideia era não ter nenhuma pretensão nas fotos e ser bastante direta." A Pirelli chama as modelos para atravessar a rua e conversar com os jornalistas no apartamento. Nem todas, porém, estão dispostas a falar.
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Yoko está. Entre as convidadas, a maioria com uma relação antiga com a fotógrafa, a japonesa é a que tem a história mais forte. Foi Leibovitz quem fez a última foto dela e do marido, John Lennon, antes do assassinato do ex-Beatle, em 1980. O famoso retrato, que mostra Lennon nu abraçado à mulher, vestida, foi feito no dia da morte dele.
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Na época, as duas se desentenderam. Leibovitz queria fotografar apenas Lennon, mas ele insistiu que a mulher participasse. A fotógrafa pediu que os dois ficassem nus; Yoko se recusou a tirar a roupa. Talvez por isso, a artista classifique sua relação com Annie como "off and on", algo como "oscilante". "Neste momento, bastante boa", diz.
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Yoko parece animada e se surpreende com a diversidade de nacionalidades entre os jornalistas. Diz que quer estampar ou o mês de fevereiro, em que nasceu, ou outubro, "porque foi quando John [Lennon] nasceu".
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Mas se embaralha um pouco com o sotaque da repórter britânica, que pergunta qual era a ideia para seu ensaio ("shoot", em inglês). "Ah, só usei minhas antigas botas de couro", responde ela, que faz confusão com a palavra "shoe" (sapato).
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A mudança de rumo no conceito do calendário, diz Yoko, só é possível por causa de Leibovitz, conhecida por dar destaque ao feminino. "É bem esperto convidar a Annie. Acho que, sem ela, não haveria muitas mulheres aceitando participar", afirma. "Nós temos todas essas mulheres poderosas reunidas aqui, e a Annie é uma delas."
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Não tarda e o feminismo vira assunto nos bastidores da sessão. Ava DuVernay topa assumir o rótulo de feminista e diz que a participação no calendário dá força à causa. "Sempre que há mulheres fazendo algo no mundo da arte, isso é um ato radical por si só. Há uma ausência tão grande disso que, quando acontece, é uma demonstração [feminista], proposital ou não."
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A modelo russa Natalia Vodianova, 33, já fotografada cinco vezes pela Pirelli, também se empolga com a possibilidade de participar pela primeira vez da publicação usando mais roupa que o de costume. "É um avanço. E uma decisão corajosa abraçar essa visão da Annie, de não mostrar curvas nem a sensualidade de maneira óbvia. É sexy por causa do cérebro dessas mulheres, ou por causa de sua valentia. E isso as torna mais sexy também."
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Fundadora da Naked Heart Foundation –ONG que auxilia crianças com deficiência–, ela quer deixar claro que não está ali por sua beleza. Defende que as mulheres são bonitas "quando são fortes e empoderadas", mas desconversa sobre ser ela mesma uma feminista. "Não sei exatamente o que isso quer dizer. Teria que pesquisar mais para dizer se sou ou não."
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O termo parece incomodar também Serena Williams, principal tenista dos EUA. "[Feminista] Pode ser uma palavra dura se utilizada da forma errada. Acho que definitivamente sou, de certa forma, mas estou tentando pensar em uma palavra melhor. Com certeza sou pró-mulheres."
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Ela foi fotografada por Leibovitz no ensaio vestindo um figurino escuro, com as costas musculosas nuas. Se Serena se sente bonita? "Sim, eu me sinto, mas sinto também que às vezes a beleza é rotulada, restrita."
Jornalista, assina coluna com informações sobre diversas áreas, entre elas, política, moda e coluna social. Está na Folha desde abril de 1999. Escreve diariamente.