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    Mônica Bergamo

    Agora sei o que é 'lacrar', diz Vera Holtz sobre sucesso na internet

    08/11/2015 02h00

    Toda vestida de preto, Vera Holtz, 63, prende os cabelos brancos e lisos até o ombro e pula a janela da antiga casa de seu avô com desenvoltura de uma menina.

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    Sob o olhar da câmera do diretor Evaldo Mocarzel, ela reencena o gesto que fazia quando jovem para um documentário ficcional sobre sua família que grava com suas três irmãs no casarão dos Holtz em Tatuí (SP). "Papai me proibia de ir ao baile à noite e eu saía escondido", conta à repórter Letícia Mori.

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    Depois de 36 anos de carreira em teatro, cinema e televisão, a atriz tenta reencontrar o que sobrou da garota de cidade pequena –além do forte sotaque e do hábito de dar bom dia a todos. "A gente cumprimenta até a porta, né?", diz, puxando o erre.

    "Fiz tantos personagens que fui me perdendo. Sempre peguei papéis muito diferentes de mim, até porque é difícil encontrar quem fale desse universo do interior", diz ela, e oferece uma bala de coco. O projeto pessoal é tocado enquanto não começam as gravações de "Sagrada Família", novela das 21h na qual será protagonista. A trama política, que substituiria a atual "A Regra do Jogo" em março, foi adiada pela Globo para não coincidir com as eleições.

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    Enquanto penteia os cabelos antes de outra cena, conta que não vai "de jeito nenhum" pintar ou cortar as madeixas brancas que são sua marca desde 2008 –a Globo quer que ela mude para o próximo papel. "Ainda tenho tempo para convencê-los de que é a cara da personagem, uma mulher forte."

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    "Adoro meu cabelo branco, me sinto bem. Algumas pessoas têm questões sérias com pintinhas, sinais [da idade]. Eu acho bonito. A sociedade não pode me impedir de envelhecer. É um direito que tenho! Falam: 'Por que você não pinta o cabelo, Vera, ia ficar tão mais jovem'. Respondo: mas eu sou jovem! Talvez não para os seus olhos, mas muitos me veem jovem. [Fãs] no Facebook, por exemplo."

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    Enrolados em um coque, seus fios acinzentados são a marca da sua página na rede social, que tem 200 mil fãs. As fotos com brincadeiras non sense captam o espírito da internet, viralizam (são compartilhadas milhares de vezes) e ganham comentários como "Não entendi mas estou gostando", "Me adota!" ou "Ela deve caminhar pela Globo pensando 'Imagina se eu pendurar a Susana Vieira no coque?' Te amo, Vera!".

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    "Sempre recebi muito carinho, mas a personagem que inventei para o Facebook mudou minha relação com fãs, principalmente os jovens. Outro dia estava saindo do cinema perto de casa e passei pelo burburinho dos bares da rua Augusta [em SP]. Quando cheguei na esquina o pessoal começou a aplaudir e gritar 'Vera!', 'Vera!'. Fiquei muito surpresa, foi uma delícia."

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    Bem-humorada, a atriz topa interromper a filmagem e posar para fotos de qualquer jeito –com ou sem maquiagem, brincando com as peças de decoração da casa, atirando a cabeleira para cima, de frente, de lado."Eu tô muito popozuda?", pergunta. Não deixa fotografar a montagem do coque, que é sucesso na rede. "O coque é sagrado!", brinca. "Não quero desfazer o mistério. Hoje em dia tudo é revelado. É como pedir que o Mickey tire a cabeça para filmá-lo fumando um cigarro."

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    A brincadeira começou no meio do ano, depois que foi convidada para uma reunião do Facebook com artistas. "Tinha um pessoal do teatro, cartunistas. A gente estava pensando no formato, em como usar o site para ser uma plataforma de criação. Aí inventei essa 'persona', é uma nerd, que só existe ali. A ideia é falar do dia a dia, transformar o cotidiano em ações artísticas e lúdicas."

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    "Estou aprendendo várias gírias, por exemplo, 'lacrar' [para dizer que a pessoa fez algo muito bem]. Falavam que eu lacrei, lacrei... E eu me perguntando o que era isso. Pesquisei e fiz a foto para a turma do lacre."

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    "Não tem só a série do coque. Faço vídeos em que leio contos da Marina Colasanti, vou começar a ler fábulas de Esopo", diz. Priorizando humor e referências artísticas, o perfil passa longe da polarização política que tem dominado a internet. Fora das redes sociais, Vera também se diz "muito lenta nesse assunto".

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    "Passei a vida toda ligada à arte", diz ela, que começou a estudar piano ao seis, artes plásticas aos 18 e fez EAD (Escola de Artes Dramáticas) aos 23. "Apesar de existir arte política, eu sempre fui muito sonhadora, muito contemplativa. Há muito pouco tempo fui cair na real. Percebi como é voraz o mundo hoje, como é séria essa crise política pela qual o Brasil passa."

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    Vera não declara voto e não participa de propaganda política. "Não é minha praia. Quando você começa a ter um nome na mídia, acham que você tem que falar sobre tudo. Mas eu prefiro não dar opinião sobre o que não entendo. "

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    "Entro mais na realidade quando estou na televisão", diz. "Muita gente me procurava pra falar de álcool por causa da Santana [personagem alcóolatra de 'Mulheres Apaixonadas', novela de 2003], por exemplo. Mas não sou médica, posso ir até certo ponto."

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    É procurada também por algumas mulheres para falar sobre namorar homens mais novos, o que ela fez em papéis nas novelas "O Rebu", de 2014, e "Belíssima", de 2006. Atualmente solteira, também já teve parceiros mais novos na vida real.

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    "Namorei um 17 anos mais novo, o Giovani [Garcia, diretor de cena]. O consumo de uma pessoa mais nova é diferente, né? Se você está tomando vinho, ele está tomando Gatorade!", brinca. "Perguntavam se era meu filho. Eu falava que sim. As pessoas às vezes não suportam o diferente, então deixa elas pensarem o que quiserem... Mas ele dizia 'Sou namorado!'. Me assumia, muito bonitinho."

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    "Para quem me pergunta sobre isso eu digo: fiquem abertas. Porque se você começa a etiquetar, e não só nessa questão, você perde muita coisa na vida."

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    O sol se põe no quintal cheio de roseiras do casarão dos Holtz e as cenas que faltam gravar ficam para o outro dia –as quatro irmãs vão recriar os banhos de torneira no quintal que tomavam quando eram meninas. "Está sendo muito engraçado, muito divertido reunir todo mundo", diz Vera.

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    "A gente quer recuperar essas memórias para deixar registrado mesmo, voltar ao tempo da delicadeza. É gostoso fazer esse retorno e esse balanço. Aquilo que eu desejava com 20 anos, já realizei. Hoje, com 63, reinventa-se a vida, você começa a ter novos sonhos", afirma. Fala sobre a vontade de conhecer direito o Japão e diz que já tem outras viagens programadas para depois do fim da gravação.

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    "Aliás, Renato, tive uma ideia!", diz, chamando o assessor, que faz os cliques das postagens no Facebook. "Na França, a gente pode fazer alguma coisa com uma baguete, o que você acha?"

    mônica bergamo

    Jornalista, assina coluna com informações sobre diversas áreas, entre elas, política, moda e coluna social. Está na Folha desde abril de 1999. Escreve diariamente.

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