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    Mônica Bergamo

    Seu Jorge dá carona de Porsche a fãs e fala de racismo, fama e dinheiro

    24/01/2016 02h00

    É uma sexta-feira nublada e quente no Rio de Janeiro. Às 11h, um Porsche Panamera grafite estaciona em uma rua do Leblon. De camiseta branca, Seu Jorge desce do possante e cumprimenta com sua voz grave os dois fãs que aguardavam ansiosos do lado de fora.

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    A produtora cultural Fernanda Mendes, 37, e o compositor Gabriel Cantini, 28, foram escolhidos pelo músico para acompanhá-lo em uma viagem de carro do Rio a São Paulo. Cerca de 2.000 pessoas haviam se inscrito na promoção feita por Jorge e por um aplicativo de carona, que vai filmar o trajeto. Diferentemente do artista, que iria fazer um show no litoral do Estado, nenhum dos dois fãs precisava de fato ir para SP –fazem a viagem só pela companhia do ídolo.

    Beijinho, beijinho, sorrisos e abraços. O músico coloca a bagagem dos caronas no porta-malas. Eles estão um pouco encabulados e contêm a empolgação –foram avisados que o pai do cantor havia morrido dois dias antes. Mas o ar de abatimento do músico vai embora quando a conversa começa e logo os três estão tagarelando.

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    Enquanto a produtora e o pessoal do vídeo discutem detalhes do percurso, Jorge arranca com o Porsche e deixa para trás os dois carros de produção que vão seguir o seu. "Se não fosse por eles eu fazia esse trajeto em quatro horas", brinca o artista em uma parada na estrada, quando a repórter Letícia Mori ocupa o quarto assento para acompanhar a viagem.

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    Gabriel segura um cavaquinho no colo e Fernanda está com o celular na mão anotando o nome de todos os itens da lista de músicas que o artista colocou para tocar. "Você tem um pen drive!? Preciso pegar essas músicas!"

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    Jorge põe uma canção árabe no último volume. "É isso que ouço pra correr", diz ele, que adora falar sobre o hábito adquirido há cerca de seis meses. "Um dia fui dar uma voltinha na orla e passou um velhinho do meu lado no maior cacete. Fiquei envergonhado e comecei a treinar."

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    Ele posta a quilometragem quase todos os dias no Instagram. "A Nike viu e começou a me mandar camiseta, tênis. Agora eu sou um atleta, né? Até me apresentaram à Fabiana Murer [campeã mundial do salto com vara]." Aos 45 anos, ele parou de fumar e vai correr uma meia maratona.

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    Também está estudando turco. "É mais fácil do que o árabe e o som também é lindo", diz. "Fatalmente vai influenciar meu trabalho."

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    Seu próximo disco, diz, deve ser mais intimista do que o último, "Músicas para Churrasco Vol. 2". Deve ser algo voz e violão, no estilo das versões em português que fez das músicas de David Bowie para o filme "A Vida Aquática de Stive Zissou", de Wes Anderson, no qual também atuou. Após a morte do cantor, na semana retrasada, ele recebeu uma mensagem de Anderson. "Bowie somos nós, eu e você", dizia o diretor.

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    "Ele que incluiu isso na minha vida. Eu conhecia muito pouco, venho de um outro contexto. A crítica caiu matando em cima do disco e o David Bowie elogiou. Fiquei muito feliz com isso, cara. Um ídolo como ele!" O cantor inglês disse após o lançamento do filme que as versões do brasileiro elevaram suas músicas "a um novo patamar de beleza".

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    O Porsche vai a 120 km/h, mas de repente é ultrapassado por um carro que passa tão rápido que não é possível ver o modelo. "Faz tempo que ele estava atrás querendo fazer isso", diz a fã no banco de trás.

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    "Mostrou seu futebol, hein?", ironiza o cantor. "Esse aí ficou injuriado de ver um negão na direção do carro. Deve ter achado que era motorista de madame", brinca.

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    Afirma que ter melhorado financeiramente hoje o protege de conviver com preconceito, mas enxerga que o problema é real.

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    "O mundo tá difícil. Os muçulmanos estão sofrendo muito, os negros continuam perseguidos. Por outro lado, nunca teve tanta gente reclamando, tantos movimentos contra o racismo, contra a xenofobia. Lá nos EUA, que é um país conservador, o casamento gay teve uma vitória grande. Não podemos achar que a degradação veio pra ficar, há uma resistência."

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    Desde 2013, o carioca divide o tempo entre sua casa em São Paulo e a residência em Los Angeles –onde mora com a mulher, Mariana, e duas de suas três filhas.

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    Empolga-se ao falar das meninas. "Minha mais nova, a Luz Bella, é um sarro. No aniversário de oito anos dela perguntei qual ia ser o tema da festinha e ela falou: 'Que mané tema, pai? Nós vamos é pro Havaí!'. Aí ela me arrastou. E pra ser sincero foi a única vez que eu viajei para curtir, porque normalmente eu tô trabalhando. Sonho mesmo é em ficar em casa com as crianças." Continua: "No ano seguinte perguntei pra onde ela queria viajar e ela disse que esse ano ia querer 1 kg de caviar para comer com as amigas, acredita?"

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    Diz que tira proveito do dinheiro que ganhou –investe na sua cervejaria e em outros dois bares em São Paulo, ajuda a família no Brasil– e que não usa isso como medida de sucesso. Volta a falar de David Bowie. "Li várias vezes o que ele escreveu. Esse sucesso, sim, eu aproveito cada gota! O que Bowie falou de mim, o Bono Vox [vocalista do U2] me chamar pra cantar com ele em um show, isso é sucesso. É ver que a música me levou a isso, não foi um rostinho bonito."

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    Menciona o pai uma única vez. "Ele tinha muito orgulho de mim e demonstrou várias vezes. É bom olhar pra minha véia e falar: 'Missão cumprida, né, mãe?'. Ela sempre se preocupou comigo e com meus [três] irmãos. Não dei trabalho", arremata. Dona Sula fazia faxinas e, após problemas na família, Jorge chegou a ser morador de rua durante anos até se envolver com o teatro e entrar em uma banda.

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    O rádio do carro alterna entre Frank Sinatra, rock pós-punk dos anos 1980 e o cantor francês Serge Gainsbourg. "Vocês não acharam que eu vinha tocando samba a viagem inteira, não é?" Canta junto e conta histórias sobre músicos que o influenciaram para os dois fãs.

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    Faz uma pausa em posto de beira de estrada, já bem perto de São Paulo. Pega o cavaquinho de Gabriel e dá uma palhinha. Uma pequena fila de pessoas pedindo fotos começa a se formar ao lado do carro. Ele não consegue dizer não e fica vários minutos posando para selfies. Volta a pegar a estrada quando um grupo dentro da lanchonete da parada percebe a presença do cantor e começa a cantar sua composição "Carolina".

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    Chegando a São Paulo, os fãs desembarcam em um hotel perto da casa do músico, no Pacaembu. Depois de seis horas na direção, ele diz que não fica tão cansado porque está acostumado a fazer o trajeto no possante. Pensa um pouco ao ser questionado por que simplesmente não pega um avião. "Meu carro é um avião! Não é? Não posso mentir", diz.

    mônica bergamo

    Jornalista, assina coluna com informações sobre diversas áreas, entre elas, política, moda e coluna social. Está na Folha desde abril de 1999. Escreve diariamente.

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