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    Mônica Bergamo

    'É meio assustador ver todo o rock ficar de direita', diz Dinho Ouro Preto

    06/03/2016 02h00

    Dinho Ouro Preto anda preocupado. "Com o Brasil, com a guerra na Síria, com esse louco do [Donald] Trump nos Estados Unidos. Que gente é essa, cara?" De família de diplomatas, filho de um cientista político e de uma historiadora, o vocalista do Capital Inicial bem poderia ter ido trabalhar com os temas que o afetam. "Mas aos 19 anos a banda caiu na minha cabeça! E tô aqui, 33 anos depois", diz ao repórter Joelmir Tavares.

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    Foi uma pancada. "No meu primeiro show, na saída do vestibular da Universidade de Brasília, em 1983, eu sentia um pavor, medo de encarar as pessoas. Bebi pra caraca e não olhava pra cara de ninguém. E durante anos eu não conseguia. A impressão era que eu não tava preparado pra aquilo, sabe? Tudo aconteceu muito rápido."

    Faz "uns dez anos", conta Dinho no estúdio nos fundos de sua casa, nos Jardins, que ele "se tocou" que não tinha mais volta. Que não havia espaço para uma carreira acadêmica, como ele imaginava na adolescência. Que seu destino era mesmo o rock, apesar de ter ficado muito tempo lutando contra isso.

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    Pela cabeça que hoje se ocupa de música a maior parte do tempo, também passa muita informação. "Sou meio um 'junkie' [viciado] de notícias. Leio dois jornais por dia, fico na internet, vejo BBC e CNN. Pode ser uma obsessão!"

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    E um dos vícios que restaram, de uma lista que já incluiu café, cigarro, álcool e drogas (desde maconha e LSD até ácido e cocaína). Aos 51 anos, diz que parou com tudo, só bebe um pouco após os shows e nunca esteve tão saudável. Toda manhã ele corre 5 km no parque Ibirapuera, perto de casa, ou na academia.

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    "Comecei com essa mania de esporte. E comecei a tocar mais. Talvez as obsessões tenham ido mais pra essas coisas. Todo santo dia sento no estúdio, fico tocando, compondo." Nas paredes do local, quadros com álbuns recordistas de vendagem e troféus.

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    Num mural, a foto do grupo assinando em São Paulo o primeiro contrato com a gravadora, "sonho de toda banda na época". O registro foi no porão da casa na Bela Vista onde os músicos de Brasília se espremiam sob um teto baixo e côncavo para ensaiar.

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    "A gente botava umas almofadas na janela pra não vazar o som. O Zé Celso [Martinez Corrêa, diretor de teatro] morava lá perto e eu lembro que ele passava e falava: 'Yeah, que legal!'. Mas a vizinhança toda odiava a gente!"

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    Aponta um quadro com um disco de ouro: "Esse a gente gravou três anos depois daquele show no dia do vestibular. Hoje, quando eu ouço, eu percebo que não tava no meu tom... A gente não sabia nem o nome dos acordes".

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    É por causa das memórias dessa época que ele tem gostado tanto de "Vinyl", série de TV sobre a música nos anos 1970 produzida por Martin Scorsese e por Mick Jagger. "É legal porque aparece a primeira geração do punk. E é na raça, arranjos muito simples."

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    Fã dos Rolling Stones, Dinho deixou passar a chance de vê-los durante a vinda mais recente da banda a São Paulo. Tem evitado os megashows por causa da multidão e do barulho. Isabel, 16, a filha do meio, foi a pessoa da família que mais chegou perto de Jagger. Ela é colega de escola de Lucas, filho dele com a apresentadora Luciana Gimenez. E o inglês foi lá inaugurar um centro de artes, com os alunos na plateia.

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    "Será que eu teria saco?!", pergunta o líder do Capital Inicial ao falar dos Stones, que, após os 70 anos, seguem na estrada. "Como pode? Acho que vou até uns... 60. Será? Depois é morar no sítio, com os cachorros, tocando violão." O Capital está em turnê pelo país com o show do disco novo, um acústico gravado em Nova York com sucessos de 2002 a 2015. A estreia em SP foi num Citibank Hall lotado.

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    "Eu não quero que o Capital tenha cheiro de naftalina", diz Dinho, que já faz músicas para um próximo álbum. "Não quero que as pessoas venham ver o Capital pra 'pô, vamos relembrar como eram legais os anos 1980'."

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    Se naquela década o rock nacional vivia o auge, hoje é a vez do sertanejo –estilo que o cantor não ouve e não gosta. "Teve um predomínio nosso nos anos 1980, um momento do axé nos 1990. Mas isso não anulou a diversidade cultural. Os ritmos permaneceram. Essas ondas vão e vêm."

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    Dinho sai do estúdio e cruza a chuva até a porta da sala. Fala de Pinga, a cadela de seu sítio em Indaiatuba (SP) que passou uns dias com ele na capital para se recuperar depois que perdeu uma das patas dianteiras ao atacar uma máquina de cortar grama. Pega o celular e mostra um vídeo dela com o Uísque e a Tequila, seus outros cães. "A gente achou que ela passaria a morar aqui, mas ela tá correndo! É surreal!", diz, incrédulo porque a border collie continua com equilíbrio e agilidade.

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    Como a maior parte dos 80 shows que faz por ano é no fim de semana, Dinho acaba indo menos ao sítio do que a mulher, Maria, e os filhos. Além de Isabel, o casal também tem Afonso, 12, e Giulia, 18, que se mudou para os EUA para estudar ciência política.

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    "Tento fazer meu melhor como pai. Mas fico com medo de errar, né? Você pensa no que seus pais erraram. E se pega repetindo coisas que eles diziam e você odiava. Outro dia ouvi do Afonso algo que eu falava pra minha mãe: 'Pô, tudo que eu falo você acha ruim!'." Com o pai roqueiro, os três podem "tocar em qualquer assunto, não tem tabu com sexo, drogas, bebida".

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    Ele senta num sofá diante da estante de CDs e vira o disco. Diz que sente "angústia" com a situação do país e que "é meio assustador ver todo o rock ficar de direita" –Dinho se define como de centro-esquerda. "No momento, sou contra o impeachment. Fui para as Diretas-Já. Acho a Dilma um desastre, mas a democracia é maior do que o desastre dessa mulher. Queria que ela terminasse o mandato."

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    Pelo vidro da janela, ele vê a estreita passarela de cimento no jardim onde reaprendeu a andar em linha reta após cair do palco durante um show em 2009. Sofreu traumatismo craniano e quebrou vértebras com a queda de 3 m de altura. Internado, teve uma infecção grave. "Estive perto da morte duas vezes."

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    Levou seis meses para se reabilitar com a ajuda da fisioterapia. "Foi foda." Sente dores até hoje. "Continuo tão hipocondríaco quanto eu era antes [risos]. Eu sou agnóstico, não sou supersticioso, sempre fui hedonista. Não foi o acidente que me fez perceber o valor dos meus relacionamentos, da minha família, dos meus filhos, dos meus amigos, ou da sorte que eu tenho de fazer o que eu faço."

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    Ele segue: "Já tinha meio caído a ficha de que eu era um sortudo, sabe? E o acidente... Acidente é um perrengue. Só. Não tem nada de bom, velho [risos]. É uma merda".

    mônica bergamo

    Jornalista, assina coluna com informações sobre diversas áreas, entre elas, política, moda e coluna social. Está na Folha desde abril de 1999. Escreve diariamente.

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