A TV está ligada na sala do ator Juca de Oliveira. Ele abre a porta do seu apartamento nos Jardins sem tirar os olhos do aparelho, que exibe a GloboNews. A repórter na tela fala dos últimos acontecimentos com o ex-presidente Lula.
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"Com tudo isso acontecendo quem vai querer falar de teatro? Quem vai se importar com cultura?", pergunta o ator à repórter Letícia Mori, convidando-a para entrar e desligando a TV. "Vão dar uma matéria comigo mesmo? Não vão querer um especialista em política? Eu não falo disso, não sou político."
Mas ele fala –porque seu trabalho no teatro tem tudo a ver com o assunto. Juca está escrevendo há dois anos uma peça sobre corrupção, inspirada na política brasileira e com o nome provisório de "O Ministro". Mas ele ainda não conseguiu terminar. "Não consigo escrever porque todos os dias há uma coisa absolutamente nova e chocante", diz.
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"O João Santana foi preso e pensei: preciso de um tempo para deglutir isso. Aí veio o Delcídio [do Amaral], que jogou uma bomba. Aí, quando você está digerindo, levam o Lula para depor."
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"A grande capacidade de imaginação dos nossos políticos, no que diz respeito aos métodos de se apoderar do dinheiro público, supera a de qualquer autor. Você fica perdido, né?", afirma o ator, que já fez sucesso escrevendo sobre o tema. Sua comédia "Caixa Dois", sobre um banqueiro corrupto, ficou mais de cinco anos nos palcos, foi vista por mais de 1 milhão de pessoas e virou filme.
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"Todas as minhas peças contêm algum tipo de crítica. É uma função do teatro, retratar seu tempo", diz ele, que estava prestes a viajar para BH para apresentar "Rei Lear", de Shakespeare.
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Ele interpreta desde 2014 as seis principais personagens da história em um espetáculo que considera "o maior desafio da carreira". "Exige muito preparo, tanto físico quanto mental. Pensamos em fazer um sessão extra em Santo André, onde esgotaram os ingressos, mas eu não podia porque é muito pesado", diz ele, que fez uma cirurgia na coluna há quase dois anos e completou 81 na quarta-feira passada (16) "muito bem" de saúde.
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"Paulo Autran é que tinha sorte, ele foi um fenômeno", diz sobre o ator e amigo, que morava no mesmo prédio de Juca até morrer, em 2007. "Ele fumava o tempo todo, acendia um cigarro no outro. Mas tinha uma voz linda, tinha um físico! E praticamente não fazia exercício, o filho da puta", ri Juca.
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Posa para foto em um canto da sala, perto de estátuas das musas gregas do teatro: "Melpómene e Talia", explica. "Meu cabelo está bagunçado, mas deixa assim mesmo. Assim é mais Lear."
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Senta em seu escritório para o próximo clique e aproveita para dar uma checada em um site de notícias. Lê as manchetes em voz alta e se mostra preocupado com a crise. "Isso tem monopolizado o noticiário, a vida política. Precisamos resolver para poder discutir o país."
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Algo que precisa ser discutido, segundo ele, é o financiamento da cultura. Com um maço de papéis cheios de dados na mão, o ator lista os problemas da Lei Rouanet e defende "sua extinção pura e simples". "Foi feita com propósitos maravilhosos, para que os empresários participassem da cultura. Mas se deformou."
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"Antes fazíamos peças que ficavam no mínimo um ano em cartaz. Hoje, a carreira de qualquer produção é um mês ou dois. Com o incentivo fiscal, o produtor pega o dinheiro, faz a peça e logo em seguida quer captar mais dinheiro para fazer outra peça. Não existe um interesse em bilheteria", diz ele, que montou "Rei Lear" levantando recursos pela lei, mas viaja com a peça sem usar o incentivo.
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"O dinheiro do imposto que seria fundamental para investimentos fica para as empresas fazerem marketing. Não tem a ver com cultura. Vai só para alguns atores –principalmente os que fazem novela– e fica no Rio e em São Paulo. Como ficam os outros Estados? Como fica aquele produtor independente de Manaus?", questiona.
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O celular toca e o ator pede licença para falar com a filha única, a bióloga Isabella, que está com a mãe na fazenda da família, no interior de SP. Foi ela quem deixou um mini-pixuleko (boneco inflável de Lula com roupa de presidiário) ao lado da TV da casa do pai. Depois de desligar, o ator pede que o boneco não seja fotografado. "Isso nem é meu. Você tira uma foto minha com isso e daqui a pouco tem um monte de petista aqui na minha porta", diz.
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"[Depois da ditadura] eu nunca sofri ataques por questões políticas, mas nunca se sabe", continua. "Vi o que fizeram com o Chico Buarque [que foi confrontado por jovens por defender o governo]. Uns imbecis. Independentemente de posições ideológicas, ele é um grande artista. Tem que respeitar."
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O ator, que foi comunista na juventude, lutou contra a ditadura e chegou a se exilar na Bolívia junto com o ator Gianfrancesco Guarnieri, diz que não acredita que grupos radicais, como os que pregam a volta de um governo militar, tenham sucesso. "Quem fala disso é meia dúzia de malucos. Era uma época muito difícil, de repressão. Ninguém vai querer ditadura."
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Juca foi presidente do Sindicato dos Atores de SP no fim dos anos 1960, quando a entidade conseguiu regulamentar a profissão, estabelecer um limite de horas trabalhadas e criar uma lei para que o texto fosse liberado três dias antes para memorização. "Tínhamos um legislação muito precisa, mas hoje ela ficou para lá. Principalmente em relação ao trabalho na TV, onde parece que o sindicato não chega."
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"A Globo tem um trabalho desse tipo exercido por alguns atores, liderados pelo [Antonio] Fagundes. Ele está fazendo o que o sindicato deveria fazer. É muito importante", diz ele, que não tem participado das reuniões porque ainda não está escalado para um próximo papel na TV. Seu último foi na novela "Além do Tempo" (2015).
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Juca discorda de quem disse, após o beijo gay em "Babilônia" (2014-2015), que o público está ficando careta. "[O pensador] Umberto Eco disse uma coisa fantástica: a audiência é proporcional à redundância e inversamente proporcional à informação. Tudo o que repete obviedades tem muita audiência. E tudo o que tem muita informação tem pouca audiência."
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"Isso não é uma tragédia. É assim mesmo. A televisão é um entretenimento: ela discute os problemas que existem, mas num plano horizontal. Quando você dá a uma novela um sentido de vanguarda, cai a audiência", afirma.
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"Já o teatro é elevação cultural, criação de novos modelos. Ele socializa novos comportamentos, muda as pessoas."
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Ri ao ouvir sobre rumores que circulavam na época de "Babilônia": que, além de Fernanda Montenegro e Nathalia Timberg, a Globo iria formar um casal gay com ele e Lima Duarte. "Isso nunca existiu, nunca fui avisado. Que pena, eu queria tanto beijar o Lima...", diz, fazendo troça.
Jornalista, assina coluna com informações sobre diversas áreas, entre elas, política, moda e coluna social. Está na Folha desde abril de 1999. Escreve diariamente.