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    Mônica Bergamo

    'Meus filhos não tiveram babá', diz ator Marcos Caruso enquanto cuida dos netos

    03/04/2016 02h00

    Na sala do seu apartamento em Higienópolis, Marcos Caruso, 64, aponta fotos antigas penduradas na parede. "Outro dia eu estava vendo aquele monte de retrato e fiquei com vontade de botar tudo em um baú", conta o ator.

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    "Não que eu não tenha respeito pela memória, tenho boas lembranças da minha vida. Mas eu não sou uma pessoa que vive do passado, que vive da saudade. O que eu já sei não me interessa", diz à repórter Letícia Mori.

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    "Tenho necessidade de fazer coisas novas. Mesmo no domingo, que é um dia que normalmente você não tem nada para fazer, se eu for ficar em casa, aquele marasmo tem que ser diferente do marasmo anterior."

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    "Aprendi com meu pai, que vai fazer 95 anos: envelhecer é restringir seu campo de ação. É falar que isso eu não gosto, isso eu não como, nisso eu não vou. É deixar de sair porque está chovendo. Se eu pego um guarda-chuva e saio, eu não me limito, eu vivo!"

    O ator divide seu tempo entre Rio e São Paulo e está na capital paulista para cuidar dos netos. O filho Caetano, que é diretor de cinema e TV e mora no Rio, se hospeda com a família no apartamento do pai em Higienópolis enquanto trabalha em um projeto na cidade. Caruso chama a neta mais velha, Clarice, 5, que estava escondida no corredor e senta-se no sofá toda tímida.

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    "Eu acompanho o que meus netos assistem, [nos canais] Disney, Cartoon [Network] e Gloob", diz Caruso. "Vovô, eu sei mais um desenho", interrompe Clarice. "Tem 'O Incrível Mundo de Gumball' e a 'Peppa Pig'", diz a menina.

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    O avô segue: "A temática dos desenhos é muito adulta, o palavreado. Eles não estão mais descendo o nível para a criança acompanhar. Ela que precisa melhorar o vocabulário e o conhecimento para ver".

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    "Então você não pode mais fazer um filme sob a ótica de uma criança que não existe", diz, se referindo a "O Escaravelho do Diabo", longa que será lançado nesta semana e é baseado em um livro infantil da série "Vaga-Lume". Caruso protagoniza a história ao lado do ator Thiago Rossetti, de 12 anos. "Quando você contracena com uma criança, ela vem aberta, não tem censura, não tem muletas [de atuação]. E eu já adquiri tudo isso. E, se ficar repetindo, vou me engessando."

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    "Quem tem a possibilidade do erro é o jovem. O velho também tem, mas ele não se permite errar. E eu gosto de trabalhar com o novo, com a possibilidade do erro. Amo não ter a obrigação de acertar. Eu não fiz curso de pai para ser pai, eu não fiz curso de ator, de diretor. Sempre fui muito intuitivo, na base dos acertos e erros."

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    Logo aparece na sala Bento, 3, acompanhado da avó Jussara Freire, atriz com quem Caruso foi casado por 20 anos e que também está ajudando a cuidar dos netos, que não têm babá. "Meus filhos também não tiveram. Quando eu e a Jussara trabalhávamos, eles iam junto, ela amamentava na coxia do teatro."

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    O ator diz que faz questão de passar o maior tempo possível com as crianças, que moram a poucas quadras do apartamento do avô no Leblon. "Eles vão para a escola de bicicleta, olha que fofura", diz, mostrando uma foto da nora com os pequenos na garupa. "Eu os vejo todo dia, não tem um dia que eu não visite. Brinco com eles, ajudo a dar banho."

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    Caruso também é ciclista –ele nem tem carro no RJ. "Em SP sempre levei filho na escola de bicicleta, fazia supermercado. E o Rio tem muita ciclovia. Quando estou lá ando de 12 a 18 km por dia. É uma forma minha, pequena, de colaborar com a diminuição do trânsito, da poluição, e com a minha saúde."

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    Elogia as ciclovias de SP. "Elas não são para mim, que tenho 60 anos. Nem para o cara que tem 40, nem pro que tem 30 ou 20. O hábito da ciclovia é para a criança de 5. Quando ela tiver 10, vai estar acostumada que em frente à casa dela tem esse caminho. Quando crescer, vai usar."

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    "O cara mais velho fica pê da vida que a ciclovia atrapalha o comércio, atrapalha a descida do táxi, mas a criança, daqui a 15 anos, não vai sentir esse incômodo. A ciclovia vem para dar a cultura da bicicleta para as crianças."

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    Cheio de energia, o ator pega os netos no colo, faz uma guerra de almofadas e até deixa as crianças pintarem seu rosto. A avó assiste, encostada no sofá. "Ele adora pintar. Outro dia pintou meu pé e minha mão", diz a atriz sobre o netinho. "Cuidado com o vaso!", ela adverte o menino, que segurava uma almofada para bater no avô.

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    Caruso conta que Bento nasceu com fissura labiopalatina e fez diversas cirurgias de correção. "A mãe dele faz questão de falar, de conscientizar sobre o assunto. Ela até criou um grupo, chamado As Fissuradas, para mães com filhos na mesma situação."

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    O telefone toca. "Está tudo bem. Sua filha deu até entrevista hoje", brinca Caruso ao atender a nora, a estilista Luiza Pannunzio.

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    As crianças vão brincar com a avó e Caruso volta a falar de seu trabalho. Ele já fez um pouco de tudo no cinema, no teatro e na TV, como ator e diretor. É ainda autor de peças como "Trair e Coçar, É só Começar", que completou 30 anos em cartaz em março. E emenda uma novela na outra com personagens como Leleco de "Avenida Brasil" (2012) e Feliciano da recém-encerrada "A Regra do Jogo". Volta ao ar na Globo neste mês, na série "Chapa Quente".

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    "Minha preparação é sempre tentando buscar elementos físicos. Tem atores que descobrem o personagem de dentro pra fora. Eu descubro de fora para dentro." Para ele, os elementos que mais ajudam a compor papéis são o figurino e o riso do personagem.

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    "O Leleco era um cara que ria de bem com a vida, com despudor próprio de quem viveu a vida toda no subúrbio, de camisa regata, sem vaidade. Ele ria sem vergonha de mostrar os dentes, de mostrar céu da boca, de fazer careta", diz ele, e repete a gargalhada. Depois dá um riso mais contido. "Esse é do Feliciano, que tinha um riso de quem perdeu tudo mas não ficou amargurado. Diante da inevitabilidade da vida, ele sorria."

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    "A risada é uma coisa muito particular do ser humano. Tem gente que ri alto, tem gente que ri com vergonha, tem gente que ri com a mão na boca. Ao rir, você expõe sua personalidade."

    mônica bergamo

    Jornalista, assina coluna com informações sobre diversas áreas, entre elas, política, moda e coluna social. Está na Folha desde abril de 1999. Escreve diariamente.

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