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    Mônica Bergamo

    Casal de atores passa semana com tribo indígena e critica hidrelétricas

    12/06/2016 00h00

    Quando a atriz e apresentadora Luisa Micheletti, 32, chegou à terra indígena Sawré Muybu, no Pará, a primeira coisa que chamou sua atenção foi como é difícil identificar quem é a mãe das crianças. "Foi o primeiro choque cultural. Eu acompanho muito as amigas que têm filhos, as preocupações. E lá todo mundo cuida. Você vê elas correndo soltas, as maiores cuidando dos menores. Mostra que é possível uma cultura onde cuidar um do outro é inerente", diz.

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    Luisa e o namorado, o ator Caco Ciocler, 44, pegaram 7 horas de avião, duas de van e uma de barco para conhecer a bacia do Tapajós e o povo indígena Munduruku a convite do Greenpeace, em maio. A comunidade corre risco de desaparecer –o território será alagado para dar lugar a um complexo hidrelétrico, começando pela usina de São Luiz do Tapajós.

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    Já de volta a São Paulo, Luísa e Caco contam à repórter Letícia Mori como se envolveram com a causa. "Estava divulgando projetos sociais para uma amiga e comecei a me sentir desconfortável de falar de assuntos que não entendia tanto. A gente sabe que o buraco é sempre mais embaixo", diz Luísa.

    Então surgiu o convite de mergulhar em um assunto e conhecer o coração da Amazônia com a equipe do Greenpeace. Caco, com quem ela namora há três anos, topou ir junto. O ator já havia se envolvido com causas sociais. Passou uma semana no Quênia em 2015 fazendo trabalho voluntário em uma favela. Luisa mostra foto do local onde eles passavam as noites no Tapajós, um alojamento construído pela ONG em meio à aldeia. O grupo incluía os grafiteiros Mundano, Raiz e Paulo Ito e a fotógrafa Raquel Brust.

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    A entidade levou comida para os visitantes e estava construindo banheiros. Enquanto eles não ficavam prontos, os banhos eram no rio. "Isso é a escola deles. Tudo é meio circular", mostra a apresentadora, que nunca tinha estado em uma aldeia antes. "Cada família tem sua casa e no meio tem um espaço comunitário", completa Caco. Ele relembra o cenário de um de seus trabalhos na TV.

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    "Quando fiz a série 'A Muralha' (2000), gravamos em um tipo de aldeia. Tinha índios de verdade que moravam lá, eu cheguei a comer formiga. Hoje eu fico pensando: será que foi tudo construído pela Globo? Será que eles realmente andavam pintados ou foram contratados para ser figurantes 24 h?"

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    "Ah, eles devem ter explicado, o Caco que esquece", diz Luísa. Ela diz que é uma responsabilidade participar de um projeto em uma aldeia de verdade. "Todo mundo quer ir, né? Todo mundo mundo quer conhecer uma aldeia, 'ai que interessante'. Mas não é turismo! Eles estão com risco de se fo*. Eles não estão brincando. É uma batalha que eles travam há 30 anos", afirma Luisa.

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    "Eles [os índios] fizeram a gente se questionar. Em cada aldeia eles perguntavam: quem é você e o que você pode fazer pela gente?", conta Caco. "A Raquel Brust falava: 'Vou tirar foto de vocês porque quero dar rosto à causa'. Eu pensava: 'Nossa, que bonito!'. E, quando ia chegando na minha vez, ficava pensando no que, de fato, a gente podia ajudar. Só consegui responder no terceiro dia."

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    O ator segue: "É muito difícil hoje você conseguir ser escutado. Eu não posso dar uma ajuda política, não conheço nenhum político, mas a gente tem um facilitador para ajudar a dar visibilidade, fazer com que a voz [do povo indígena] seja ouvida".

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    Ele diz que existe uma guerra de narrativas. "Tem a história que o governo vende sobre a importância da construção da hidrelétrica, mas é uma narrativa mentirosa. A quantidade de energia que dizem que vai gerar é calculada com o rio da cheia, não é a que de fato vai produzir. Somos bombardeados com isso como se fosse a verdade."

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    A hidrelétrica de São Luiz do Tapajós poderá chegar a 8.000 megawatts de potência instalada e terá investimentos de R$ 30 bilhões. Será a segunda maior usina do Brasil e foi anunciada como um dos projetos prioritários do governo para garantir a segurança energética do país. Em abril, o Ibama suspendeu a obra dizendo que ela é inviável pelos prejuízos que poderá causar à comunidade indígena.

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    Ciocler quer mostrar que existem consequências na construção da usina hidrelétrica. "Fazer os índios se mudarem para outro lugar é como criar um monte de refugiados. O ecossistema está interligado, alagar a margem do rio afeta a região toda. Tirá-los dali é como fazer a gente mudar de país porque sua nação vai ser destruída."

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    Luísa se preocupa em passar a mensagem para um público heterogêneo. "É muito fácil você pregar para convertido. Falar para o mesmo grupo e todo mundo responder 'É, é, é!'. Temos que pensar em como nos comunicar com o cara que realmente acredita que esse é o único jeito."

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    O casal diz que toma cuidado para que a divulgação não seja mais uma curiosidade sobre celebridades, mas acham que sempre vai ter quem entenda errado. "Quando voltei da África ouvi tanta merda de gente que perguntava por que fui para lá se tem criança aqui sofrendo. Sofri por um tempo. Depois entendi que a questão da superficialidade tem a ver com a pessoa que está olhando", diz Caco. "Respondia assim: 'E você, está fazendo alguma coisa pela escola aqui?'."

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    "Tem gente que vai achar que queremos pagar de engajado. Mas é uma pessoa entre outras que podem ser afetadas positivamente", diz Luisa. Ela pede para a repórter anotar que eles não são contra o progresso e o desenvolvimento. "Muito pelo contrário. É preciso progredir inclusive no tipo de recurso que usamos, usando fontes limpas de energia", diz ela, gesticulando com os braços cheios de desenhos feitos na aldeia com tinta de jenipapo.

    mônica bergamo

    Jornalista, assina coluna com informações sobre diversas áreas, entre elas, política, moda e coluna social. Está na Folha desde abril de 1999. Escreve diariamente.

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