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    Mônica Bergamo

    País está à deriva e todos são parte do problema, dizem Taís Araújo e Lázaro Ramos

    17/07/2016 02h00

    Eles não conseguiram tirar férias. O casal Taís Araújo e Lázaro Ramos resolveu, então, que na semana de reestreia da peça "O Topo da Montanha", em São Paulo, se daria de presente um fim de semana no hotel Emiliano, nos Jardins. Apesar de manterem na cidade um apartamento a pouco metros dali.

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    Dias antes, tia Solange, uma das irmãs da mãe de Taís, tinha até dado uma passada na casa paulistana para checar se estava tudo certo. A cafeteira estava quebrada há um tempo e, em meio à vida dividida entre as gravações da série "Mr. Brau", da Globo, e a peça, Taís não se lembrou de mandá-la para o conserto.

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    Ao chegar ao Teatro Faap, na sexta (8), para o ensaio e passagem de luz da reestreia, Taís logo pergunta a Solange: "Tem café?". A tia, além de segurar a onda do apartamento em São Paulo, também ajuda o casal no camarim do espetáculo que narra o que teria sido a última noite de Martin Luther King (1929-1968), líder do movimento pelos direitos civis dos negros.

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    Taís e Lázaro haviam passado a madrugada anterior insones, na casa deles, no Rio (eles vivem na ponte aérea). Por volta das 2h, começou o bate-bate da reforma no vizinho. "Amigos, tem criança dormindo aqui", gritou Lázaro, da calçada, de shorts e chinelo. "Ô, seu Lázaro, desculpa!"O silêncio voltou, mas o sono, não. Às 8h, eles tinham de estar no aeroporto para viajar a São Paulo.

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    "Por que a gente não vai para o hotel descansar e, no caminho, conversamos com ela", sugeriu Taís a Lázaro sobre o papo com a repórter Thais Arbex. "Prefiro ficar, dormir aqui mesmo, e já estar aqui para o espetáculo", respondeu Lázaro. "Dormir onde, amor? Naquela caminha dura do camarim?", retrucou ela. "É, ué!", disse ele.

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    O dilema do 'ir ou não ir' para o hotel terminou em uma das mesas de um restaurante da praça Vilaboim, em frente à Faap. "Eu estava há cinco anos sem fazer teatro, desestimulado, não tinha nenhum texto que me empolgasse.""É como aquela pessoa que sonha em fazer o Hamlet, sabe? Achei o Hamlet sem saber que ele existia", disse Lázaro sobre "O Topo da Montanha".

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    "Já fiz mais de 30 peças –e agora vou ser injusto com 'A Máquina', que foi essencial para mim–, mas essa é uma das mais importantes da minha vida", continuou ele, lembrando do espetáculo baiano de 2000 que fez ao lado de Wagner Moura e Vladimir Brichta. "Nunca achei que fosse achar um texto tão..." Taís interrompe: "Talvez seja a peça mais importante da sua fase mais madura."

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    O garçom traz a rabanada de brioche e o café expresso de Taís. Ela diz que "não é muito de doce", mas o frio daquela sexta-feira de reestreia em São Paulo lhe dava "carta-branca" para a "bomba calórica". Lázaro fica só na limonada –sem açúcar. Seu "pecado da gula" era a coxa creme da padaria Barcelona, ali ao lado. Levou duas.

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    "Estamos aqui para falar de afeto", diz Taís sobre o texto de Katori Hall, com tradução de Silvio Albuquerque, que foi chefe de gabinete do ex-ministro do STF (Supremo Tribunal Federal) Joaquim Barbosa. "O espetáculo", continua ela, "também tem a mensagem do interesse pelo outro, de você querer saber do outro."

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    "A peça tem esse negócio massa –e fico muito orgulhoso de a gente ter conseguido chegar nesse lugar– porque oferecemos o afeto como resposta a essas angústias todas do momento que estamos vivendo", afirma Lázaro. "Eu, que sou uma pessoa que sempre tem muita opinião sobre as coisas, sinto que estamos em um momento [no país] em que temos mais perguntas do que respostas. A gente está meio à deriva, como se estivéssemos passando por uma nova alfabetização."

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    "É subjetivo isso, né?", ele mesmo interrompe, para logo emendar: "Tenho começado a estimular que as pessoas revisitem os conceitos das coisas. Da ética, da educação, de tudo que parecia que todo mundo já sabia o que significava. E o espetáculo acaba colaborando nesse sentido também."

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    "Quando a gente vê o teatro lotado em todas as sessões, com dezenas de pessoas na plateia que sabem o que vão ouvir, dá uma esperança. Acho que as pessoas saem da peça cheias de poder, sabe?", continua Taís. "Porque essa coisa da política, por exemplo, sempre parece que não é com a gente, quando na verdade é só com a gente!"

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    Para ela, que sob a direção do marido interpreta Camei, uma inquieta camareira que confronta o discurso de "não à violência" do reverendo King, as pessoas saem do espetáculo com a sensação de que "são as nossas escolhas" que movimentam o país. "Desde a urna [na eleição] até como você vai lidar com a sociedade no seu dia a dia."

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    Até 4 setembro, Taís e Lázaro desembarcarão toda sexta em São Paulo. De quinze em quinze dias, os filhos do casal, João Vicente, 4, e Maria Antonia, 1, passarão um fim de semana na cidade. "A gente queria trazer toda semana porque eles amam, mas é tão sacrificante, né?", diz Taís, antes de entrar no táxi rumo ao hotel.

    mônica bergamo

    Jornalista, assina coluna com informações sobre diversas áreas, entre elas, política, moda e coluna social. Está na Folha desde abril de 1999. Escreve diariamente.

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