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    Mônica Bergamo

    Impeachment é tratamento grosseiro a dona Dilma, diz atriz Bibi Ferreira

    21/08/2016 02h00

    Bibi Ferreira, 94, diz que não gasta voz à toa. "Não sou de papo. Odeio o telefone. Telefone, para mim, é recado. Não é para 'blá blá blá blá blá'. O falar, para mim, é 100% profissional. Não posso ficar gastando meu instrumento de trabalho assim, à toa."

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    Há alguns dias, na véspera de sua reestreia em São Paulo com "4xBibi", espetáculo que comemora seus 75 anos de carreira, ela cumpriu uma enxuta agenda de entrevistas no quarto do hotel em que está hospedada até o dia 28, quando termina a temporada no Theatro Net.

    Embora rejeite rituais para subir ao palco, o lenço enrolado no pescoço protegendo a garganta, a xícara de chocolate quente e a economia de palavras são como sua "trinca de ouro" para cuidar da voz antes das apresentações da turnê, em que reúne músicas de seus shows mais recentes.

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    "Se você se vicia a ter preparações, fica muito complicado", diz à repórter Thais Arbex. "Vai para a janela e 'lá, lá, lá' [cantarolando]. Limpa a garganta e pronto. Depois, fala pouco e vai", explica, entre uma mordida e outra no biscoito de polvilho.

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    "É muito importante levar a vida da maneira que for mais fácil para você. Você vai fazê-la mais bonita, melhor. Não pode ficar tão preocupado o tempo inteiro: 'Como é que eu disse? O que perguntei? Ai, meu Deus!'. Não pode! É um sofrimento, é uma aflição", diz. "Imagina para o artista, que vai encontrar uma plateia diferente toda santa noite? Tem que engolir aquilo com facilidade, senão vai sofrer e perturbar sua forma de representar e cantar."

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    A atriz e cantora volta a falar em "aflição" quando o tema é o momento político do país. "Todo mundo quer estar no poder. E tem essa coisa aflitiva de a dona Dilma [Rousseff] ser tratada desse jeito, com uma falta de delicadeza. É uma coisa que declaro em público: achei muito grosseiro o tratamento dado à presidente", afirma sobre o processo de impeachment (ao qual é "absolutamente contrária").

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    Filha do ator Procópio Ferreira (1898-1979) e da bailarina espanhola Aída Izquierdo (1904-1985), Bibi estreou no teatro em 1941, com "O Inimigo das Mulheres", de Carlo Goldoni. "I'm a blessed [sou uma abençoada]", diz, segurando a medalha do Sagrado Coração de Jesus que carrega no pescoço. Em 2015, um infarto a obrigou a fazer um cateterismo e a interromper, por alguns meses, a turnê em que cantava Frank Sinatra.

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    Resolvido o "probleminha", como ela se refere ao episódio, a artista voltou aos palcos. "Nunca pensei em parar, até porque é essa carreira que me sustenta. Aí é uma questão de 'dois e dois são quatro'. Para eu sobreviver, tenho que trabalhar", diz.

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    Bibi, que evitava "esses assuntos de idade" e dizia só ter "pavor de dentista e avião", já não faz mais rodeios quando é questionada sobre seus medos. "Com a morte sou uma curiosa. O que que vai ser? Não vai ser nada ou vai ter alguma coisa? Então vamos com calma, com muita calma."

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    Faz uma pausa mais longa e continua: "Tenho medo, sim, da morte. Tenho medo da dor da morte, da ocasião que será provocada. Disso eu tenho medo. Muito medo".

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    O coração dela está medicado e sob controle, mas a audição e a visão começam a falhar. "A única orientação é falar alto", diz a assessora antes de levar a coluna ao quarto da artista. Mesmo sendo noite e com o lugar à meia-luz, Bibi usa óculos escuros. "Não é vaidade, não. É porque não enxergo bem mesmo. Desloco as coisas de lugar, tenho uma visão precária."

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    Sua única vaidade "é o espetáculo". "Vivo em função, única e exclusivamente, do meu trabalho. É onde tenho que usar minha vaidade toda."

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    No palco, de batom vermelho, brincos e vestido cheio de brilhantes, Bibi abre o show com "Eu Nasci Há Dez Mil Anos Atrás", de Raul Seixas e Paulo Coelho. A música foi incluída no repertório por dica do maestro Flávio Mendes e segue para as apresentações em Nova York, entre 20 e 23 de setembro. "Lá vai ser em inglês. Cai perfeitamente bem", diz, entoando: "I was born ten thousands years ago".

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    "O negócio é não sair dos 27 [anos], não é?", diz, aos risos. "Mas aí", continua ela, agora em tom mais sério, "é questão de encarar a vida com aquilo que a vida te deu: saúde, bom humor, possibilidade de comunicação. Pronto, acabou. Tá tudo muito bom."

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    O espetáculo, com obras da portuguesa Amália Rodrigues, do astro do tango Carlos Gardel, da francesa Édith Piaf e do americano Frank Sinatra, é tratado por ela como insuperável. "É muito difícil conseguir um repertório como este, com pessoas que foram grandes talentos e fizeram grande sucesso."

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    "E tem mais: o interessante é ver a ligação com o seu momento emocional", diz, como se não estivesse falando de si, para, em seguida, emendar: "Peguei isso com 'That's Life'. Não tem dúvida de que essa música [de Frank Sinatra] tem muito a ver comigo. É a vida, é muito bom."

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    Bibi reflete bastante sobre sua história e seu ofício. Diz ser "complicado" estar "no palco dando o que pode dar e também se policiando, se policiando a cada nota, a cada frase musical. Isso tem que estar dentro de você como algo natural, senão vai sofrer muito e acabar ficando postiça".

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    "Às vezes", continua, "o cantor começa a cantar, sente que o piano está desentoado e não pode parar. Acontece, é uma intempérie. A natureza fez com que o piano desafinasse. Então, erre! De vez em quando, desentoe".

    mônica bergamo

    Jornalista, assina coluna com informações sobre diversas áreas, entre elas, política, moda e coluna social. Está na Folha desde abril de 1999. Escreve diariamente.

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