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    Mônica Bergamo

    Fernanda Takai diz que críticas por apoio a Dilma não a farão se acovardar

    06/11/2016 02h00

    Depois de cada show de sua carreira solo, invariavelmente, a cantora Fernanda Takai recebe todos os fãs pessoalmente. Quando o teatro ou casa de show fecha cedo, ela os atende na rua mesmo.

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    Os fãs que a conheceram de perto depois da última apresentação da turnê em São Paulo, no Teatro Porto Seguro, percebem que a cantora continua, aos 45 anos, com o jeito de menina e a voz baixa e calma que marcaram sua imagem como vocalista da banda mineira Pato Fu.

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    Alguns tiveram pedidos feitos nas redes sociais atendidos naquela noite. Uma queria ver o show comendo em uma fonte de chocolate. Outro pediu para tocar uma música com ela. "Estou muito emocionado!", dizia Luis Gustavo Coutinho, enquanto observava a cantora inspecionar o palco com uma mochila com estampa de gatinho nas costas e um moletom. "Ela é fofa demais mesmo."

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    E é com calma e firmeza —e em "mineirês"— que Takai vocaliza sua opinião, mesmo quando não há "fofura" envolvida. Em entrevista à repórter Letícia Mori, ela diz se incomodar, por exemplo, com a atitude de Bob Dylan após receber o Nobel de Literatura.

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    "Não tiro nenhum valor dele, mas acho que foi um pouco exagero essa postura meio arrogante [Dylan até então não tinha se pronunciado sobre o prêmio, o que acabou fazendo]. Uma coisa é reclusão, outra é ser blasé. Tem tanta gente fenomenal, com o Paul McCartney, que é ativo, aberto, simpático", diz. "Já há várias premiações para a música, como o Grammy. Entendo o desagrado dos escritores", afirma a cantora, que também é autora de livros infantis.

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    O jeito educado e receptivo de Takai não muda quando o assunto é política e suas críticas ficam mais ferozes. "É o pior segundo turno que a gente já teve", diz ela sobre a disputa entre João Leite (PSDB) e Alexandre Kalil (PHS). O último se elegeu prefeito de Belo Horizonte. "É um pessoal retrógrado, que não representa a gente não", afirma. No primeiro turno ela não votou. "Estava no Japão. Deu vontade de ficar por lá", diz.

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    A turnê no país asiático começou pouco tempo depois de Takai enfrentar, pela primeira vez, uma avalanche de agressividade na internet ao visitar a ex-presidente Dilma Rousseff durante o julgamento do impeachment. O encontro foi o primeiro tête-à-tête da cantora com a petista, apesar da admiração mútua de longa data e de Takai ter cantado na posse de Dilma, em 2011.

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    "Nunca conseguíamos nos encontrar. Aí fui levar uma demonstração de afeto nesse momento em que todos a estavam crucificando. Todo mundo sabe que eu não sou PT, mas eu sou Dilma. Não sou Lula, mas sou Dilma. Acredito que ela é uma pessoa idônea, uma mulher muito digna e que esse processo não foi democrático."

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    Takai conheceu na visita o labrador Nego, cachorro de Dilma que precisou ser sacrificado por estar muito doente. "Ele não estava nem se levantando, estava muito prostrado", diz. "Ela me abraçou bastante, me mostrou os jardins do Alvorada, estava muito segura."

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    "Nunca sofri [ataques] por nenhum outro assunto", diz a vocalista. "Mas a gente tem que seguir o que acredita. Não posso ficar fazendo pesquisa de opinião antes de fazer as coisas. O mais espantoso é algumas pessoas acharem que não tenho o direito de me posicionar. Disseram que não vão mais me ouvir, não gostam mais de mim. Tenho 25 anos de carreira. Você vai jogar tudo isso no lixo?"

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    "Parece o pessoal em 1965 queimando disco dos Beatles porque o John Lennon disse que era mais famoso que Jesus", diz Takai, que afirma achar pouco inteligente alguém destruir tudo o que pensa sobre o outro por conta de uma opinião. "Tenho amigos que pensam muito diferente de mim, não é um problema. Mesmo na banda a gente não tem unanimidade de posição política", afirma.

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    John Ulhoa, seu marido há 20 anos, pai de sua filha Nina e colega do Pato Fu, a apoia, mas fica preocupado. Já a mãe da cantora preferiria que ela não expusesse tanto. "Ela fica temerosa. Porque tá cheio de louco por aí, cheio de extremista", diz Takai.

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    "Essa agressividade toda é uma forma de fazer a gente se acovardar. Sei que o que faço nas atividades artísticas não vai necessariamente gerar um interesse pela minha opinião, mas preciso ter um posicionamento porque senão eu não ia ficar bem comigo."

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    Com a carreira bem sucedida em uma banda de rock experimental como o Pato Fu, não teve medo de fazer em seu álbum solo uma parceria com o padre Fábio de Melo para gravar uma versão da canção "Amar Como Jesus Amou", do padre Zezinho. Muitos fãs elogiaram, outros torceram o nariz.

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    "A música religiosa esteve muito presente na minha infância porque estudei em escola católica. Eu chegava em casa e ficava cantando as músicas da primeira comunhão, eu achava um máximo", diz Takai. "E não tenho que ter vergonha da minha formação."

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    "Isso à vezes surpreende as pessoas. Assim como quando eu digo que não sou vegetariana", conta ela, que é dona de um gato e três cachorros adotados e sempre faz campanha contra a crueldade com os animais.

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    "Dá para fazer as duas coisas! Não tem um 'camin' [caminho] do 'mei' [meio]? As pessoas têm uma visão muito radical. Que 'iss' [isso]!", conclui Takai, liberando todo o seu sotaque.

    mônica bergamo

    Jornalista, assina coluna com informações sobre diversas áreas, entre elas, política, moda e coluna social. Está na Folha desde abril de 1999. Escreve diariamente.

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