• Colunistas

    Friday, 26-Apr-2024 08:58:17 -03
    Mônica Bergamo

    Arcebispo de SP defende esperança na crise, critica aborto e aconselha Doria

    25/12/2016 02h00

    Poucos dias antes de dom Paulo Evaristo Arns morrer, aos 95 anos, no dia 14, dom Odilo Scherer, 67, se encontrou com o ex-arcebispo de SP em uma missa na Sé. "Ali eu já percebi que ele não estava bem", diz o atual arcebispo ao repórter Joelmir Tavares.

    *

    Depois da celebração, dom Paulo, que levantou a voz contra a ditadura militar e era conhecido como "cardeal da esperança", almoçou com dom Odilo e um grupo de pessoas da igreja. "Ele esteve alegre, brincou. De repente começou a entoar canções natalinas, inclusive em alemão. E aí cantamos juntos", relembra.

    *

    Dom Odilo, que em 2013 foi visto como um dos cotados para virar papa, diz que a esperança pregada por dom Paulo deve ser mantida, mesmo ao fim de um ano difícil. Nesta entrevista, o cardeal exalta o combate à corrupção, afirma que o impeachment foi um "momento dolorido" e fala de aborto e transexualidade.

    *

    LEGADO DE DOM PAULO

    Revisitar o legado dele é importante como referência, inspiração. Parece que nós temos sempre que combater alguma coisa, né? Eu diria que combater é importante, mas temos que promover o que é bom. Não deixar o que não presta tomar conta, sobretudo em matéria de justiça social. Temos que combater a corrupção, em todos os sentidos.

    *

    Corrupção é o desvirtuamento, a perda de qualidade. Não é só a corrupção econômica. Há também a política, desvio do poder, usar o poder para finalidades que não são próprias. [Temos que] recuperar os princípios de dignidade, convívio ético, justiça.

    *

    Para nós, cristãos, a esperança está baseada fortemente nas promessas de Deus. Deus é fiel às suas palavras, não abandona o homem, nos orienta, mostra caminhos. Tudo isso nós lembramos de novo no Natal, relacionado com a figura de Jesus Cristo.

    FUGA DE FIÉIS

    É um discurso que se repete, mas precisa verificar. Acho que não é mais assim. Deu uma estabilizada. Não é mais como no início dos anos 2000, quando havia realmente uma saída significativa de fiéis.

    *

    Tem, certamente, a ver com o papa Francisco, mas foi fruto de uma série de questões. Os próprios católicos vão se tornando mais conscientes de sua fé. Os movimentos não católicos que atraem vão sendo mais conhecidos e, portanto, também vão sendo conhecidos pelos seus aspectos menos atraentes, eu diria.

    PAPA FRANCISCO

    Trouxe um novo tempo, por muitas razões. Ele se comunica muito bem e traz um discurso que já estava presente na igreja. Tem ajudado a igreja a se renovar, o que não é fácil, não é rápido, não é automático, porque a igreja não é uma máquina. É formada de pessoas. E as pessoas mudam pouco a pouco.

    ABORTO

    A igreja tem uma posição de defesa da vida do nascituro. Portanto, somos contrários ao aborto, desde a concepção. Matar um ser humano em qualquer fase do seu desenvolvimento não é lícito, não é coisa boa, não é eticamente correto. Quem deve depois julgar o que deve ser feito com quem comete o aborto não somos nós. Quanto a condenar, isso é com os juízes.

    *

    Esse sem dúvida é um problema [morte de mulheres em abortos clandestinos]. É lamentável toda mulher que morre em situação de maternidade. Agora, o que vamos fazer? Para que a mãe não morra vamos legalizar a morte de crianças? Complicado, né?

    *

    As crianças que eventualmente vão ter alguma má-formação em função do vírus da zika [como a microcefalia] também têm o direito à vida. E de nossa parte não é belo que nós lhe tiremos a vida porque não são bonitas, porque não vão ser inteligentes ou porque não vão ser capazes.

    SEXUALIDADE

    Nunca vi um padre na porta da igreja perguntando se alguém é homossexual e falando que não pode entrar. A igreja não os manda embora, não os expulsa. Mas mantém a convicção em relação às práticas homossexuais, que moralmente não são aceitáveis. Não é adequado casamento de pessoas do mesmo sexo.

    *

    Essas pessoas podem participar da igreja e são convidadas à vida cristã. A igreja não é só para os santos. Os santos estão no céu. A igreja é formada de santos e pecadores. E todos temos um pouco de santos e muito de pecadores.

    *

    É preciso estudar [a transexualidade], o fato de não se aceitar ou de se dar uma identidade oposta àquilo que se é pelo corpo. Precisa ver os motivos por que a pessoa não se aceita, se isso tem causas, e provavelmente tem, causas externas. E não ser visto simplesmente como uma coisa absolutamente normal.

    *

    Sei que estou dizendo algo que pode gerar contestação e crítica. Mas é preciso verificar o que provoca essa falta de identificação. Sem desrespeitar ninguém, com compreensão em relação às pessoas que vivem esse drama, que deve ser um grande sofrimento.

    BANCADAS EVANGÉLICAS

    Acho que [o crescimento das bancadas ] é um fato a ser acompanhado. Porque pode vir eventualmente a haver um desvio daquilo que seria a verdadeira finalidade, ou seja, um poder político canalizado em função de interesses religiosos. É preciso estar atento para que o poder conferido pela sociedade de maneira democrática seja de fato realizado de maneira democrática, para o bem comum, e não com privilégios.

    O BRASIL

    Há uma série de problemas, que talvez levariam a não ver perspectiva. Porém, a gente tem que manter firme a esperança. Nos momentos de crise é que despertam as melhores forças do homem, os mais belos ideais se unem, as vontades para a edificação de uma coisa boa, achar a saída.

    *

    Talvez motivos de desesperança são os escândalos, a corrupção, a crise econômica, a desorientação política, a crise institucional dos poderes. Isso poderia ser motivo de, quem sabe, achar que não temos saída. Ao mesmo tempo vai acontecendo a busca de soluções. A população não está inerte, apática. Está acordando, quer participar. E temos todo um trabalho de depuração. Não se está varrendo para baixo do tapete.

    IMPEACHMENT

    Olha, esse é um julgamento que não vou fazer e não me caberia [se foi favorável ou contrário à saída de Dilma]. Acompanhei, evidentemente, um momento dolorido, difícil para a sociedade brasileira.

    *

    Apesar da gravidade, esse momento foi atravessado pela população e pelas instituições com maturidade. Havia o risco de que isso desembocasse em uma convulsão social, e não aconteceu.

    GOVERNO TEMER

    O governo tem um enorme problema a resolver. Está tentando. Mas o momento não é fácil. Os encaminhamentos estão sendo dados. Pode ser que lá adiante vá se mostrar que as decisões tomadas agora não foram adequadas, mas o que não pode fazer é ficar parado, perplexo, esperando que a coisa se resolva. Tomar atitudes sempre comporta responsabilidade, contestação, possibilidade de errar.

    NOVOS PREFEITOS

    Faço votos a todos os prefeitos de uma boa gestão, que eles sejam prudentes, sábios, honestos. Que não se deixem envolver por corrupção. Os governantes devem governar para todos, mas devem ter um olhar privilegiado para os que mais precisam, que são as camadas mais frágeis e desprotegidas da população.

    *

    [João Doria, prefeito eleito em SP pelo PSDB] me procurou depois da eleição, manifestou seus propósitos e quis ouvir. Disse: cuide bem dos pobres, olhe bem pelas áreas mais carentes, onde a cidade está abandonada e as populações mais precisam da assistência do poder público. Ele se apresenta como um gestor, pois vamos esperar que consiga traduzir isso em práticas boas para a cidade.

    DONALD TRUMP

    A eleição do Trump deixa muita perplexidade em relação ao futuro, às relações internacionais, às questões sociais internas nos Estados Unidos, às questões de paz, ambientais e econômicas. Só temos que esperar que ele tenha um discurso diferente ao assumir. Do contrário, há motivos para preocupação.

    ANO NOVO

    No início do ano sempre desejamos tudo de bom. Entre as melhores coisas e para construir a paz, estão a solidariedade, a fraternidade, olhar as pessoas, valorizá-las. Isso ajuda a ter um ano bom.

    *

    É cada um fazer a sua parte, não só cobrar dos outros. Me mantenho otimista porque vemos tantos sinais de esperança. Tanto gesto bonito de solidariedade. Como a mobilização na Europa e também em São Paulo para acolher os migrantes. E ações que vão ao encontro de pessoas doentes, dependentes químicos, moradores de rua.

    *

    Existe muito de bom no coração humano. Temos que suscitar isso. E é o que dom Paulo sempre dizia: coragem, coragem. De esperança em esperança. Vamos edificando, fazendo nossa parte. E, se todo mundo fizer a sua, o mundo vai ser melhor.

    mônica bergamo

    Jornalista, assina coluna com informações sobre diversas áreas, entre elas, política, moda e coluna social. Está na Folha desde abril de 1999. Escreve diariamente.

    Edição impressa

    Fale com a Redação - leitor@grupofolha.com.br

    Problemas no aplicativo? - novasplataformas@grupofolha.com.br

    Publicidade

    Folha de S.Paulo 2024