• Colunistas

    Sunday, 05-May-2024 15:06:58 -03
    Mônica Bergamo

    Fafá de Belém quer ficar fora de brigas políticas: 'Me chamaram para os dois lados'

    08/01/2017 02h00

    Na varanda do apartamento em que mora há 32 anos, nos Jardins, Fafá de Belém, 60, mostra sua hortinha com as plantas que usa para fazer banhos de cheiro e seus próprios perfumes. Aponta também para as maritacas que piam sem parar. "Ai lá que lindas!", diz, com carinho.

    *

    Morando sozinha desde que a filha, Mariana, saiu de casa, a cantora diz que não sai dos jardins por levar "uma vida de bairro". "Tenho conta na padaria, na farmácia e no posto", diz ela, que está prestes a lançar um DVD de seu último disco, "Do Tamanho Certo para o Meu Sorriso".

    *

    Nos últimos anos, enquanto divulgava o álbum, Fafá foi assediada pelos dois lados do espectro político –e diz tentar se preservar de entrar na polarização. Tanto que ela nem canta mais a música "Vermelho", um de seus maiores hits. "Evito pela conotação política que isso tomou."

    *

    Apaixonada pela cultura amazonense, a cantora também tem prestado consultoria para Gloria Perez, que escreve uma novela que vai se passar na região. Diz que não recebeu nenhum convite oficial para atuar no folhetim, mas que adoraria. Em uma conversa pontuada por suas risadas altas e desinibidas, ela falou com a repórter Letícia Mori sobre política, carreira, mulheres que fogem do padrão e sobre a fama de polígama.

    *

    PROVOCAÇÃO

    O país está com muito pouco assunto apesar da crise. Outro dia fui no programa do Porchat (Record) e ele pegou uma frase que eu disse há 40 anos, provocativa, antimachista. Era "sou polígama". Virou uma coisa! Para o homem é perdoável, né, ter uma amante? Agora quando eu fui dizer que sou capaz de amar dois homens ao mesmo tempo... Saí do programa e tava de novo em todo lugar.

    Que mulher não tem aquele amigo ou alguém inacessível por quem ela é completamente apaixonada? E às vezes o namorado não tem aquela cabeça. Corpo é corpo, mente é mente e quando eles estão junto é uma cagada, porque é demolidor! [risadas]

    FEMINISMO E CARETICE

    Agora está se redescobrindo a importância da mulher. Cara, eu já fazia isso lá atrás! E naquela época não se falava de feminismo. Aí veio um tempo careta, e a gente ainda tem um resquício de caretice muito grande. Os anos 70 foram mais libertadores do que o que estamos vivendo agora. Foi uma época de pensamento livre. E o que vejo hoje é uma busca por liberdade, mas um pouco caricata. A mulher mais simples sempre fez tudo isso que a tal de "empoderada" de classe média faz. Sempre trabalhou, criou filho, deu esporro no marido bêbado, foi pra rua, pegou outro marido mais novo [risadas].

    Agora está muito segmentado. Outro dia fui participar de uma palestra e era uma coisa tão radical, a moça falou assim: "Então, primeira coisa, é Fora Temer e não aos homens!". Eu falei que aquilo estava equivocado nas duas coisas. Ninguém tem que dar palavra de ordem pra meninas de 18 anos, elas têm que decidir o que elas querem. Se querem ou não apoiar o Temer etc. Esses últimos tempos estão muito a ferro e fogo.

    POLARIZAÇÃO

    Me chamaram para os dois lados da trincheira. As manifestações, contra e a favor do impeachment, queriam que eu cantasse! [risadas]. De um lado "Vermelho", do outro o hino nacional. Eu disse: "Bicho, não!". Aí ficaram falando que eu era o símbolo, a musa das diretas... Participei do processo de redemocratização, mas não vou viver disso. Isso é minha história, da qual muito me orgulho, mas hoje eu só observo. Já doei minha juventude à causa política.

    SAINDO DO VERMELHO

    Não tenho cantado "Vermelho". A música foi tomada por todos os partidos de esquerda. Sempre fui de esquerda, mas não dei autorização para ninguém usar como hino. Durante um tempo achei bacana, mas depois o PT tomou um rumo que eu não concordo. Não quero acabar sendo usada para fins partidários. Eu canto em Portugal! [risadas].

    Até queria retomar pra mim, mas não tenho a força de um partido. Se tem uma coisa que eu tive a minha vida toda foi autocrítica! [risadas]. Porque senão, principalmente quando a gente começa, tende a achar que é a foda do bairro do Peixoto! Sou eu, o Cristo e a Xuxa! [risadas]

    HOMENS PÚBLICOS

    Continuo acreditando no país. Não acredito em homens públicos. Olho por aí e não vejo, por exemplo, o que vi em Ulysses Guimarães. Ele abdicou do cargo máximo para haver uma transição pacífica.

    Quando me posicionei pelo Aécio [Neves, em 2014] foi já na última semana de campanha. Porque eu vi um comício em Belém e todos aqueles contra quem a gente lutava estavam do lado da Dilma. Mas também não acho que ela é responsável por esse caos. É uma mulher que passou por uma série de coisas lutando por seu ideal. Mas pulou degrau indo à Presidência.

    BAIXO CLERO

    Tudo o que está acontecendo é decorrente da eleição do Collor. A partir daí o baixo clero passou a tomar conta da política. Você hoje olha o Congresso e não consegue se reconhecer. Foi uma derrocada moral que veio crescendo, crescendo. Se eu pudesse dar um recado pro Temer eu diria: seja impopular, tome atitudes corajosas, tenha coragem de aprovar leis impopulares mas que deem emprego e comida para essa gente. E se ele cair... Esse é um momento de limpeza. Espero que sobre alguém. O que eu acho muito difícil, olhando aqui.

    RENOVAÇÃO

    Quando eu gravei meu último disco, nenhuma gravadora quis. Porque eu ia fazer 40 anos, queriam fazer um "best of", eu tinha que fazer isso, que fazer aquilo. E eu dizia: "Eu não tenho que fazer nada! Não sou obrigada!" [risadas]. Cogitei até fazer crowdfunding [financiamento coletivo], mas minha filha falava: "Você ficou louca! Você é uma diva!" E eu dizia: "que diva Mariana, eu não vou pagar R$ 300 mil para fazer um disco!" [risadas].

    Aos 60 eu me reinventei, depois de 41 anos de carreira, fiz um disco que tem tudo a ver com a minha origem, que é o brega do Pará. Foi como me reencontrar com a minha chegada. Lá atras eu era uma coisa fora do riscado. No convencional eu nunca me encaixei.

    mônica bergamo

    Jornalista, assina coluna com informações sobre diversas áreas, entre elas, política, moda e coluna social. Está na Folha desde abril de 1999. Escreve diariamente.

    Edição impressa

    Fale com a Redação - leitor@grupofolha.com.br

    Problemas no aplicativo? - novasplataformas@grupofolha.com.br

    Publicidade

    Folha de S.Paulo 2024