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    Mônica Bergamo

    Apaixonada e feliz com a voz, Marina Lima recorda 'Saia Justa': 'Foi péssimo'

    21/01/2017 23h31

    Nos últimos dias de 2016, Marina Lima, 61, sentiu necessidade de reencontrar o mar. Há anos sem mergulhar, a carioca deixou São Paulo, onde mora há seis anos, e viajou ao Rio para matar a vontade. Foi uma saudade estranha, que ela não soube bem se veio da nostalgia dos tempos de "rata de praia" das férias na juventude ou se seria culpa do ar poluído da metrópole.

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    Não que isso seja uma queixa sobre a cidade que a cantora e compositora escolheu para viver. Tanto que ela já tinha decidido passar Natal e Réveillon em solo paulistano. Ficaria em seu apartamento, numa rua pacata de Higienópolis, com Pedro Juca, seu poodle de 20 anos que andava mal de saúde, e Lídice Xavier, sua "paquera diária".

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    Numa segunda-feira que precede em alguns dias a alegria de rever o oceano e a dor do adeus a Pedro Juca, Marina precisa ir a um bate-papo sobre sua carreira no Sesc da Bela Vista. Uma plateia de 35 pessoas a espera.

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    Antes de falar de si, ela quer é comentar com o repórter Joelmir Tavares sobre Donald Trump. A cantora morou nos EUA na infância e adolescência porque o pai trabalhava no BID (Banco Interamericano de Desenvolvimento). Ela arregala os olhos ao repetir declarações do presidente americano, que chama de "um 'clown' [palhaço], como foram Hitler e Mussolini".

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    Esguia, com uma roupa elegante, Marina satisfaz a curiosidade do público durante uma hora e meia falando em bom "carioquês", às vezes pigarreando, quase sempre encerrando frases com variações de "e tal" e "entendeu?".

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    Ela conta que sempre pensou em viver em São Paulo, por seu mercado profissional. "Produzir me dá força, potência. E achava o Rio meio fechado para isso, apesar de amá-lo." Mudou-se após a morte da mãe, quando não tinha mais nada que a prendesse.

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    "Muita gente ficou puta comigo por ter ido embora. É uma coisa louca, uma competição. Mas sinto que o Rio ainda está um pouco dentro de mim." Seu irmão e parceiro de composições, o poeta Antonio Cicero, continua lá.

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    "São Paulo tem vista para dentro", diz ela, ao citar uma das composições do disco que vai lançar neste ano. A música é sobre o entardecer na cidade que é "seca e poluída, mas, por outro lado, tem as pessoas, os encontros".

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    Já compôs para o álbum dois funks, um samba, um rock e uma canção "meio sertaneja", que a faz lembrar o cantor Daniel. Uma das faixas, "Novas Famílias", começou a ser feita durante a crise hídrica e brotou de divagações suas sobre temas como amor, descoberta de água em Marte, astronomia e "Eduardo Cunha sendo superditador". Demorou um ano para a letra ter um ponto final.

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    Para quem, como ela, acha que compor é sinônimo de trabalho árduo, as músicas mais difíceis são as mais prazerosas. Fazer, desfazer, refazer. "É o que mais gosto. A grande satisfação é quando digo: 'Me superei'. Acho que é meu grande talento mesmo."

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    No início, aos 17 anos, pensava mais em ser compositora do que em cantar. Encarar palco e câmeras era agoniante. "Do meu perfil, éramos só eu e a Paula Toller. Ela tinha uma banda [Kid Abelha], eu era sozinha. Não tinha personalidade para isso."

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    Mas se habituou. E fez uma carreira cheia de hits —"Fullgás", "Uma Noite e Meia", "Pessoa", "À Francesa"... "Não tinha saída. Tinha que fazer show. Tentei não transformar isso numa coisa tão dolorosa." Agora, tem liberdade para fazer como bem entende. Na turnê mais recente, "No Osso", canta numa poltrona com o violão no colo, como se estivesse em casa.

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    Diz estar satisfeita com sua voz, que teve um pouco do brilho apagado por causa de um erro médico (ao fazer um procedimento por causa de uma infecção na garganta, suas cordas vocais foram atingidas). "Cantando, consegui um lugar confortável, que me traduz, que é a minha voz. Tudo que quero fazer eu consigo. Mas às vezes, falando, se estou meio envergonhada, fica um pouco para dentro."

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    O palco até parou de intimidá-la, mas ir para um programa de TV semanal dar opinião sobre os mais variados assuntos é algo ainda capaz de assustar. Foi o que aconteceu com o "Saia Justa" (GNT).

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    "Foi péssimo. Eu sou uma pessoa que não quer brigar para aparecer, não quer falar 40 mil palavras por minuto. Espero para ter o que falar." Diz que "foi um erro" ter entrado na atração, em 2004, apesar de ter se dado bem com as colegas. "Não é que aquilo seja ruim. Mas não era para mim. Não sei fazer nenhum papel que não seja o meu mesmo. Não quero opinar sobre qualquer assunto."

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    Terminado o encontro no Sesc, Marina quer ir a um restaurante nos Jardins. Sair para jantar é um dos poucos compromissos que tiram a cantora de sua rotina caseira. Toda manhã, aquece a voz, toca violão, compõe e vai a pé fazer ginástica. Diz que sempre foi "mais matinê", avessa às madrugadas e às drogas, o que rendia reclamações de amigos como Cazuza.

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    Ela escolhe uma mesa do lado de fora, pede água, escolhe um vinho. Logo chega Lídice, que aparenta ter menos que seus 36 anos e é recebida com um selinho. Discreta, mas eloquente, a advogada carioca (que trabalha com fusões e aquisições em um escritório e fez mestrado em direito autoral) deixou há poucos meses a Gávea, no Rio, para morar com a cantora.

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    Lídice dá uma risadinha quando surge no papo, de novo ele, Trump. "Esse assunto é fértil!", diz. Marina se diverte: "Ela às vezes fala: 'Olha, mais dez minutos só de Trump e chega! Acabou!'".

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    O perfil da artista no Twitter tem alternado postagens sobre o americano e sobre a crise política brasileira. "Não tinha o menor interesse em política e agora tenho. Todos estão mais ligados, né?" Contrária ao impeachment de Dilma Rousseff, a cantora não gosta de Michel Temer. "Não me inspira confiança. Gostava mais dela [Dilma]. Sei que ela também não deu certo, mas esse cara é um político no pior sentido. Não queria que ele continuasse não."

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    Votou em Luciana Genro (PSOL) na eleição de 2014, atraída pela promessa dela de taxar as grandes fortunas. "Eu nunca liguei para dinheiro", diz a cantora. "Nunca me faltou, mas nunca tive sobrando. Quando eu vi que podia faltar, eu fiz 'Playboy' [em 1999]. Não posso me dar o luxo de parar de trabalhar. Nem quero também. A Lídice tá me educando um pouco [risos]."

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    Ela diz esperar que João Doria (PSDB) faça um bom governo, embora tenha torcido por Fernando Haddad (PT). Considera que a ideia do tucano de levar parte da Virada Cultural para o Autódromo de Interlagos não faz muito sentido, já que o espírito do evento é levar o público para "viver" o centro ou uma determinada região da cidade.

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    A noite no restaurante segue leve, sem abordagens de fãs ou pedidos de selfie. Nada que faça falta: já teve época em que ela ficou "cansada de ser uma estrela pop", aborrecida por "ter privações por causa da fama". Felicidade é o que sente agora, "ainda mais depois que a Lídice veio morar em São Paulo".

    Marina Lima e Lídice Xavier

    As duas fazem planos de ter filho, mas não sabem ao certo como vai ser. Pode ser que adotem. Mas de cachorro Marina pensa em dar um tempo —e tomou a decisão antes mesmo de, dias atrás, Pedro Juca morrer. "Parece um filho, mas dura muito menos. E é um sofrimento louco quando está indo embora." O poodle superou em dois anos a expectativa de vida para a raça.

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    Refletindo sobre o correr da vida, Marina toma como exemplo a atriz Fernanda Montenegro, que "com classe e sabedoria" chegou aos 87 anos. "É importante você saber envelhecer com graça, saúde, bom humor, dar o seu melhor. Não ficar com raiva, achando que tudo é ruim, com saudosismo chato. Viver de passado não dá. Eu gosto da vida como ela é."

    mônica bergamo

    Jornalista, assina coluna com informações sobre diversas áreas, entre elas, política, moda e coluna social. Está na Folha desde abril de 1999. Escreve diariamente.

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