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    Mônica Bergamo

    Autora de painel preservado, Nina Pandolfo critica guerra contra o grafite

    29/01/2017 02h00

    Nina Pandolfo, 39, é uma das poucas artistas que foram preservadas nos últimos dias das pinceladas do novo prefeito de São Paulo, João Doria, que decidiu cobrir com tinta cinza diversos grafites espalhados pela cidade e rabiscos de pichadores.

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    O painel na avenida 23 de Maio que ela pintou em 2002 com Os Gemeos (seu então marido, Otávio Pandolfo, e seu então cunhado, Gustavo), ao lado dos Arcos do Jânio, chegou a ser coberto em 2008 pelo programa Cidade Limpa, do prefeito Gilberto Kassab. Foi repintado naquele mesmo ano e agora será um sobrevivente, segundo a Secretaria Municipal de Cultura.

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    Nina critica a guerra de governos contra a arte de rua. "Para eles, uma cidade bonita é uma cidade lisa. Sabe aquela história do rei que pintou tudo de azul, e todo mundo de azul?", ironizou em dezembro, numa conversa com o repórter Diego Zerbato, antes ainda de Doria dar as suas pinceladas.

    Por 20 anos, ela passou a maior parte da semana nas ruas, inclusive sábados e domingos, fazendo seus grafites coloridos. A dedicação rendeu-lhe reconhecimento internacional. Há desenhos dela hoje no castelo de Kelburn, na Escócia, e em muros de Havana, capital de Cuba.

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    Em 2016, fez uma exposição na galeria Lazarides, em Londres, depois de mostrar seu trabalho nos EUA, na Alemanha e na Espanha. Três anos antes, um par de grandes olhos, a característica das meninas que ela desenha, foi estampado em uma bolsa da marca Fendi. Lançou em dezembro um livro de fotos.

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    Há cinco anos, Nina começou a deixar as ruas em segundo plano. Suas meninas são vistas mais facilmente em galerias do que pela cidade.

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    "Você vai crescendo, amadurecendo e percebendo que a vida não se resume a isso. Perdi a infância dos meus sobrinhos porque passava todo o fim de semana na rua", diz ela. "Teve grafite meu que não durou um dia e a prefeitura apagou. Isso também desanima um pouco."

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    Desde 2011, Nina está estacionada em seu ateliê, um sobrado em frente a um parque na região central.

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    Caçula de cinco irmãs, Carina Arsenio, seu nome verdadeiro, começou a pintar ainda criança, desenhando em papel os animais e plantas que trazia para casa. O grafite veio na adolescência, quando fazia teatro de rua e curso de comunicação visual.

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    Ninhos, pés de frutas e plantas atraem insetos e passarinhos que acabam representados em suas telas. O gato Raquim, que tem 17 anos, se enrosca no pescoço da dona, como um cachecol, enquanto ela trabalha. Os olhos coloridos do felino aparecem em algumas das telas de Nina também.

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    "Aqui tem tudo o que meu universo precisa, natureza, animais, luz, é uma coisa que te acolhe. Não dá para ver Nina Pandolfo em um galpão", diz ela, que já pintou em lugares mais amplos e não gostou.

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    Pequenas abelhas, pétalas de flores e caminhos de formigas são pintados um a um em seus quadros, sem estêncil ou desenho anterior. Mudar no futuro? "Só se eu cair, bater a cabeça e quiser fazer [pintura] minimalista", brinca Nina.

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    A parede estampa o único menino que desenhou artisticamente, na adolescência. "Não consigo pegar o traço masculino. É muito bruto."

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    E por que as meninas que pinta têm olhos enormes? Nina afirma que sua fixação vem por achar os seus próprios muito grandes. Um dos quadros de seu ateliê é um desenho de quando tinha cinco anos, e lá estavam eles.

    mônica bergamo

    Jornalista, assina coluna com informações sobre diversas áreas, entre elas, política, moda e coluna social. Está na Folha desde abril de 1999. Escreve diariamente.

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