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    Mônica Bergamo

    Ter apoiado o impeachment não é ser a favor do Temer, diz Marcelo Serrado

    19/03/2017 02h00

    Alan Marques - 4.ago.2016/Folhapress e Ique Esteves/Divulgação
    Mônica Bergamo 19.03.2017 - O juiz Sergio moro em audiência na Câmara dos Deputados. (Foto: Alan Marques - 4.ago.2016/Folhapress)Cena Filme Polícia Federal - A Lei é para Todos Marcelo Serra
    O juiz Sergio moro em audiência (esq.) e o ator Marcelo Serrado como o magistrado, em filmagem

    Marcelo Serrado, 50, virou magistrado em duas semanas. Esse foi o tempo que o ator teve de preparação para viver a versão cinematográfica do juiz Sergio Moro, que julga as ações da Operação Lava Jato em primeira instância.

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    "Parece que esse caminho estava me perseguindo. Me interessa muito fazer essa figura tão emblemática e controversa", disse Serrado à repórter Letícia Mori.

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    Inicialmente, o juiz no filme "Polícia Federal — A Lei é Para Todos" seria Rodrigo Lombardi, mas o ator teve que cancelar por questões de agenda. Serrado, que já tinha sido convidado para fazer o papel na série do Netflix sobre o mesmo assunto, dirigida por José Padilha, assumiu.

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    Para compensar o pouco tempo, a preparação foi intensa. Focada nas ações da PF, a produção teve amplo acesso aos bastidores da operação em Curitiba. E embora o personagem de Serrado seja "só um coadjuvante", os produtores conseguiram um almoço do ator com o juiz.

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    Moro foi pontual e conversou sobre coisas leves -o filme "Spotlight", do qual é fã, e hobbies como jogar tênis. Segundo o ator, o magistrado foi simpático, mas "fechadão". "Ele não fala muito, é muito sério. Tentei ficar amigo dele no WhatsApp, mas ele me ignorou", conta sorrindo.

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    O almoço foi um encontro único. "Eu peguei alguns trejeitos, mas aprendi mais vendo palestras dele no YouTube. O [diretor] Marcelo Antunez pediu para que seja uma atuação com muita verdade, uma coisa sutil."

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    O ator terminou de gravar suas cenas antes do Carnaval. Mas a filmagem do longa continuou. O filme terminará com a condução coercitiva do ex-presidente Lula -portanto deixando de fora a prisão da maioria dos empresários e políticos. A ideia, diz o produtor Tomislav Blazic, é completar uma trilogia sobre a Lava Jato.

    Lava Jato

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    Serrado defende a operação de quem a acusa de ter motivação político-partidária. "Tenho amigos que diziam que era perseguição. Mas aí o governo do PT caiu e a Lava Jato continuou prendendo as pessoas, e eles viram que não era isso. Agora são a favor também."

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    Não diz quem são esses amigos. "São os de esquerda. Eu convivo com pessoas que pensam de vários jeitos, e muitos são de esquerda. Eu também. Eu sou um cara de esquerda, sempre fui. Nem todo mundo que foi a favor do impeachment é a favor desse governo."

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    Serrado estava no grupo de atores que foi para os protestos contra a corrupção no ano passado —uma foto deles na van com camisetas do "Bloco do Moro" foi uma das mais compartilhadas na época.

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    Diz que não se arrepende de ter pedido o impeachment, mas admite ter mudado de opinião sobre algumas coisas. A figura que vai interpretar no filme é uma delas. Serrado chegou a dizer que seria como fazer um "herói nacional".

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    "Eu mudei um pouco de pensamento. A gente tá o tempo todo evoluindo. Essa figura que as pessoas colocaram pro Moro, de herói... O herói me parece ser uma pessoa infalível, entendeu? E eu não vejo isso. Ele é uma pessoa normal, que pode errar."

    Luciano Belford/FramePhoto
    Mônica Bergamo 19.03.2017 - O juiz Sergio moro em audiência na Câmara dos Deputados. (Foto: Alan Marques - 4.ago.2016/Folhapress)Cena Filme Polícia Federal - A Lei é para Todos Marcelo Serra
    Marcio Garcia, Marcelo Serrado e Susana Vieira em protesto contra Dilma Rousseff, no Rio

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    O ator ficou em dúvida se aceitaria o papel quando leu o roteiro. "Pensei: será que vou fazer um filme agora, com toda essa efervescência, com os ânimos acirrados?"

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    Diz ficar inconformado com radicalismos "de um lado e de outro". "O que aconteceu com a Letícia Sabatella [xingada em um protesto por defender o governo Dilma] é absurdo, ela tem o direito de se posicionar. Assim como Zé de Abreu tem o direito de dizer o que pensa. Vivemos numa democracia."

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    Serrado mesmo nunca foi agredido na rua, mas ouviu xingamentos on-line por apoiar o impeachment. "Algumas pessoas são imbecis e usam internet pra atacar. Antes eu lia, mas depois pensei: "tô deixando de decorar cena pra discutir aqui? Não tenho tempo pra isso!"

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    "Gosto muito da Marina Silva. Votei no Freixo no Rio. Fiz campanha pro Lula. Conheci o Lula. O problema não é o PT. É o PT, o PMDB, todos os partidos. Cada semana é um novo escândalo", diz.

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    Por causa de seu papel na novela épica "Velho Chico" (Globo), no ano passado, começou a ler mais sobre a história do país. "Lendo [livros dos jornalistas] Eduardo Bueno, Laurentino Gomes, você vê que a corrupção é herança antiga. Os latifúndios, coronéis. Você vê que o buraco é mais embaixo. É preciso cuidado ao vestir uma camisa."

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    Serrado diz que espera de 2017 um ano com menos tristezas na vida pessoal -ele foi colega de Domingos Montagner, que morreu durante as filmagens de "Velho Chico". "A gente convive com os atores mais do que com a família", diz ele, que é casado com a bailarina Roberta Fernandes e tem três filhos. "Ficamos sem chão", afirma.

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    Futuras interpretações de Moro são incertas para o ator, que não sabe se vai conseguir fazer a série do Netflix sobre a Lava Jato. "Adoraria, mas precisa ver se não vai ter conflito [com seus compromissos com a Globo, concorrente do serviço de streaming]", afirma. Também tem dúvidas se fará as sequências do filme "Polícia Federal" planejadas pelo produtor.

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    "Tem que ver como será a repercussão e se vou ter tempo", diz ele, que está escalado para ser um vilão na nova novela das sete da Globo, "Pega Ladrão", e para "O Sétimo Guardião", em 2018. Também vai fazer um segundo filme sobre seu personagem mais famoso: o mordomo gay "Crô", que surgiu em "Fina Estampa" (2011).

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    Serrado encerra a conversa otimista. "Dessa confusão toda nos últimos anos, uma coisa boa é que as pessoas estão se interessando mais por política. A gente tem que acreditar que o Brasil vai melhorar, né?"

    mônica bergamo

    Jornalista, assina coluna com informações sobre diversas áreas, entre elas, política, moda e coluna social. Está na Folha desde abril de 1999. Escreve diariamente.

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