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    Mônica Bergamo

    Ninguém fala sobre quanto o pós-parto é difícil, diz Pitty após ter bebê

    04/06/2017 02h00

    A cantora Pitty, 39, chega ao ensaio para o show que fará no festival João Rock, neste mês, dando alguns passinhos e murmurando uma música que não faz parte do seu repertório. "Des-pa-cito", canta ela –é o hit do porto-riquenho Luis Fonsi, primeiro lugar nas paradas. "Mas que inferno, não sai da cabeça! É a nova Macarena", diz, rindo, à repórter Letícia Mori.

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    Ela ensaia para voltar ao palco depois de pausa de mais de um ano, correspondente à gravidez e ao nascimento da filha, Madalena, hoje com 9 meses –que ficou em casa com o pai, o baterista Daniel Weksler. Pitty cumprimenta sua banda dizendo que se sente como uma criança voltando de férias. "Tô ansiosa, parece primeiro dia de aula."

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    "Vou abrir o show em Ribeirão [Preto] cantando sertanejo! É a capital do estilo. Nossa, imagina? Vai acabar o mundo", ironiza, fazendo piada com o fato de ter recebido críticas de alguns fãs de rock quando fez parcerias com músicos de outros estilos, como o rapper Emicida. "Vou cantar Maiara e Mariana", brinca, entregando que não é especialista no ritmo. "O certo é Maiara e Maraisa, né?", corrige.

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    A roqueira explica como preconceitos musicais a incomodam. "Muita gente pensa assim: a música que eu gosto é boa, a que os outros ouvem é porcaria. Dizem 'isso não é cultura' quando falam do funk ou de ritmos populares. Mas bom é só o que a gente gosta? O que o outro gosta é ruim?"

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    "Fui me desvencilhando desse conceito de bom e ruim. Isso não existe. Existe o que é bom pra você, o que te toca. Mas não é porque não conheço, não entendo, ou porque o funk não faz parte da minha cultura, que eu tenho que desmerecer. Muitas coisas são cultura. Pode não ser a sua, mas é cultura sim."

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    "Tem a ver com segurança. Quando você sabe do que gosta, não precisa ficar gritando aos quatros ventos que odeia isso ou aquilo para se afirmar." Seu projeto mais recente com um artista de outro estilo é com Elza Soares. As duas gravaram juntas uma faixa que será lançada em julho.

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    Diz que aprender a respeitar a visão do outro é a principal lição que tem tido ao estudar o feminismo. Há alguns anos ela começou a fazer sucesso na internet ao defender os direitos das mulheres. Desde então, passou a ser cada vez mais chamada para falar sobre o assunto –e se tornou uma espécie de embaixadora da igualdade de gênero.

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    "Foi sem querer", diz. "Eu falo o que penso sobre isso assim como falo sobre qualquer assunto. Não é muito louco que querer igualdade e justiça seja se posicionar? Isso não deveria ser o básico? Por que é polêmico falar sobre direitos iguais?"

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    Afirma que sempre foi feminista, só não sabia que o nome era esse. "Foi uma descoberta quando entendi que o que eu era tinha esse nome. Não acho justo que as mulheres ganhem menos, que sejam penalizadas apenas por serem mulheres. Vejo pessoas falando cada absurdo: 'não sou feminista, sou humanista'. Tem muito preconceito em torno da palavra. É importante a gente explicar que feminista nada mais é do que a pessoa que luta por direitos iguais, por equidade de gênero."

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    Diz que já teve que explicar o conceito "algumas vezes". "Tem hora que cansa. Já viu aquela página do Facebook, Feminista Cansada? Mas tudo bem! O importante é funcionar. A gente tem que ser um pouco didática."

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    O assunto é um dos que ela tem discutido no programa "Saia Justa", da GNT, do qual virou uma das apresentadoras. "Tô a-do-ran-do", diz, separando as sílabas em ritmo de "Despacito". "Até no banheiro fica martelando, né? Des-pa-cito", canta.

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    Conta que tem gostado de atingir um público mais velho. "Tem uma galera que fala assim: 'você foi uma surpresa para mim no 'Saia Justa', eu não imaginava que você era tão ponderada, tão sensata'. Acho que a galera olha pra mim e vê o estereótipo, né, da roqueira muito louca tatuada, e imagina... Não sei o que eles acham na real. Então é legal quebrar esse clichê. Dá vontade de perguntar: 'o que você achava que eu ia fazer?'"

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    A abertura do programa foi o primeiro trabalho que Pitty fez depois do nascimento da filha. "Estava com o peito cheio de leite, dolorido, tive que ficar pedindo licença para ir tirar. Achei que não ia conseguir ficar um dia inteiro longe dela. O começo é muito doido. Me entreguei completamente para aquele universo durante 7 meses, sem babá, não atendia nem telefone. Só eu, ela e o Daniel."

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    Pitty fala da importância de conversar com outras mães para se preparar para o pós-parto. "A maternidade é tão idealizada, tão associada a um negócio divino, sagrado, como se a mulher virasse meio santa quando está grávida, que eu acho que as pessoas esquecem que tem uma pessoa real ali passando por isso."

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    "O puerpério é uma coisa sobre a qual ninguém fala. Não é fácil, é foda. Você está sem dormir, seu corpo está diferente, num tsunami hormonal. Ao mesmo tempo você está fascinada e apaixonada por aquela pessoa ali com você."

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    "O dia que o leite desce é o mais louco... Eu não me reconhecia, olhava no espelho e não sabia quem era aquela pessoa. É uma abnegação enorme. E passei por isso com estrutura, sendo bem cuidada, com meu marido ao lado. Imagina as pessoas que não têm estrutura? A gente precisa pensar em dar um suporte melhor para essas mulheres."

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    Pitty defende o respeito por aquelas que não quiseram ter filhos. "A maternidade é um negócio incrível, estou amando, mas eu quis! A vida não se resume a isso, tem gente que não quer. Faço questão de falar isso porque sei como é estar no lugar de ser cobrada. Não acho justo botar essa carga em cima das mulheres."

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    Conta que as pressões agora mudaram. "Nós mulheres somos sempre cobradas. Seja por uma coisa ou por outra. Ah, não teve filho! Ah, teve filho muito tarde. Ah, só vai ter um? Filho único não é bom... Cara! Dá um tempo! Deixa a gente viver!"

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    Voltando devagarzinho, ela ainda não marcou turnê, mas tem aceitado convites esparsos para shows. Aos 15 anos de carreira, reflete sobre as mudanças desde que começou, no início dos anos 2000. "Eu vim com a onda da MTV, o audiovisual já era importante. Mas hoje a internet aumentou muito isso na arte. Muita gente é mais conhecida pela "persona" –a atitude, a estética, o discurso– do que pela música ou pela atuação. Hoje você é a sua obra."

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    "Isso não é bom nem ruim. É o que é. A preocupação do artista tem que ser entender seu tempo, entender o futuro. Essa nova geração é inspiradora! São tantos artistas incríveis. Dá vontade de fazer coisas, de acompanhar! Não quero virar aqueles velhos que ficam resmungando: 'Ah, no meu tempo é que era bom.' Deus me livre!", diz, antes de se despedir, ainda murmurando o hit em espanhol.

    mônica bergamo

    Jornalista, assina coluna com informações sobre diversas áreas, entre elas, política, moda e coluna social. Está na Folha desde abril de 1999. Escreve diariamente.

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