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    Mônica Bergamo

    Gal Costa ri da idade, fala da 'família' da tropicália e diz não ouvir cena atual

    25/06/2017 02h00

    Nem mesmo uma série que conta histórias mil de seus 50 anos de carreira tem sido capaz de fazer Gal Costa sentir o peso da idade. "Na minha cabeça eu tenho uns 40 e poucos", diz a cantora, 71 anos no documento.

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    Dias atrás, ao gravar uma música com Preta Gil, sua afilhada de batismo, ela divertia a equipe no estúdio narrando um episódio em Córdoba (Argentina). A canção é para o novo álbum de Preta.

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    "Fui comprar um creme no dia de folga", conta Gal. "Aí, no meu portunhol, perguntei: 'Quanto custa esta crema?'. A mocinha disse: 'No! Esta é para niña de 25 años'. Falei assim: 'Quantos años yo tengo? Quanto pensa?'. E ela: '40 e poucos'. Falei: 'OK. Yo necessito comprar um regalo [presente] para mi abuela [avó], que tiene 70 años. Qual crema sugere?'."

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    "Aí eu comprei um creme para minha avó, que sou eu mesma!", lembra, gargalhando. "Sabe por que não reparei [os 70]? Porque acho que não tenho. Isso que é estranho, cara. Ajo normal. Caetano é um pouco parecido comigo nesse aspecto. Acha que não tem", diz a artista a Mônica Bergamo e a Joelmir Tavares.

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    Caetano Veloso, Gilberto Gil e Maria Bethania, que formaram com ela na tropicália, nos anos 1970, o grupo Doces Bárbaros, são personagens frequentes nas memórias. E também na série documental "O Nome Dela É Gal", produzida pela Popcon Films e em exibição aos domingos na HBO —o último episódio será em 2 de julho.

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    Mas a "família espiritual", como a baiana define, já não se encontra tanto como antes. Em depoimento ao programa, Bethania diz que não vê a amiga faz tempo. "Ela fala com saudade daqueeele tempo que a gente viveu. A vida mudou, mas a gente continua amigo e leal um com o outro", afirma Gal, que em agosto inicia turnê com Gil e Nando Reis.

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    "A gente convivia diariamente. Principalmente Gil, Caetano e eu. Bethania menos, ela sempre foi mais afastada. No Rio eu era praticamente vizinha dela. Quando a mãe dela [dona Canô] adoeceu, liguei. Mas não tem rixa. Não nos falamos todo dia. Cada um tem sua vida, suas mulheres, problemas, encantos."

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    Gal já nem mora mais no Rio. Vive há quase cinco anos em São Paulo, onde aflorou ainda mais seu jeito caseiro, afirma. "Eu era notívaga, ia a festas, dormia tardíssimo. Hoje saio de dia e durmo cedo", diz a mãe de Gabriel, 11.

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    "Ele agora tá começando a ficar mais independente. Eu acordo ele [para ir para a escola] e fico dormindo. Ele sai com os amigos, os amigos vão lá para casa. Mas totalmente independente não, eu tenho que saber. Se fosse por ele... Ele já pediu a chave da casa!" A mãe acha cedo para isso —tanto que não deu a chave.

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    "Ele tem umas namoradas na escola. Teve uma namorada que graças a Deus se mudou, porque ela namorava com ele, aí ligava para um colega e perguntava se ele queria namorar com ela. E ele [Gabriel] sofria! É todo romântico, apaixonado. Se alguém machuca... Eu quero matar a pessoa!", afirma ela, que sempre chama a atenção para a semelhança física do filho com ela. Gal diz que é tão louca por Gabriel que não pretende adotar mais um. "Não sei se vou gostar tanto de outro."

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    "Meu sonho era ser mãe. Nunca engravidei. Quando eu estava vivendo com Marco Pereira [ela e o violonista ficaram juntos por dois anos no início da década de 1990], planejamos ter filho. Quando fui averiguar, vi que tinha trompas entupidas e já não estava ovulando. Aí desisti de ter filho e passei a achar criança uma coisa chata [risos]. Mas [era] mentira." A decisão de adotar veio ao ver na TV o caso "da mulher que jogou a criança embrulhada num saco de plástico preto na Pampulha", em Belo Horizonte, em 2006. "Fiquei chocada. Queria cuidar daquela criança."

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    Entrou na fila de adoção no Rio. "Fui umas três, quatro vezes, até que encontrei meu filho. A gente é meio guiado, né? É porque tinha que ser. As coisas [batendo a lateral da mão na mesa a cada palavra] são porque têm que ser. Quando é seu, pode ir o mundo contra, não tem jeito. Por isso que acho que essas coisas de querer ter o que o outro tem, ter inveja, não adiantam. Sou totalmente espiritualizada. Não vou à igreja todo dia, não sou carola, mas tenho essa coisa de acreditar."

    Mantém a regra de não falar de sua vida amorosa. "Eu sou uma pessoa já muito exposta, então eu tenho que ter algo que... Alguma coisinha que eu me prive." Admite ter feito duas cirurgias plásticas no rosto, "com o [Ivo] Pitanguy [1923-2016], um gênio".

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    Ela cita de novo seu lado místico ao falar sobre como foi crescer sem o pai. A mãe, Mariah, descobriu que estava grávida logo após pedir a separação do marido, por descobrir que ele já tinha outra família. "Acho que a figura do pai é importante. Sentia falta. Na Bahia era importante isso de ter família constituída. Hoje isso nem existe mais. As famílias são diversificadas. Essa coisa me oprimiu um pouco. Mas sobrevivi." Arnaldo morreu quando a filha tinha 14 anos. Só o viu uma vez, de costas, caminhando de mãos dadas com outra criança. Soube que era o pai depois de ser alertada por uma prima "completamente irresponsável".

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    Gal segue: "Acredito que Deus seja energia, está em nós, que existam outros planetas habitados, inteligências superiores à nossa. A gente não está aqui por acaso. Então quem sabe, se o meu pai convivesse comigo, ele não tivesse atrapalhado o meu desenvolvimento musical? Minha mãe sempre deu força. Grávida, ouvia música, para eu nascer musical. Então ele veio só pra... O esperma dele foi lá, pruuu, juntou com... Me fez. Pow! Aí eu nasci do jeito que minha mãe queria".

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    Nasceu musical e nunca deixou de ser. Começou cantando bossa nova. "Ouvia João [Gilberto] na rádio e o imitava. Ninguém me ensinou." Janis Joplin foi outra influência forte. Hoje diz que não tem "ouvido nada", por causa da agenda cheia. "Uma loucura." Virou fã de Amy Winehouse, mas diz que não há no Brasil ninguém como a britânica.

    Sandra Gadelha, que cresceu na mesma rua de Gal, foi casada com Gilberto Gil e apresentou a "irmã postiça" a ele e a Caetano. Ela conta na série da HBO que João Gilberto não só achava a baiana a maior cantora do Brasil como também a paquerou. "É? Não me lembro", diz Gal. Depois, rindo, reconhece: "É claro que me paquerou, né? Que ele não é bobo nem nada". Ele é outro que Gal não tem visto. "Não sei nem onde ele tá!"

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    "Aí, quando eu cantei 'Divino Maravilhoso' no Festival da Record, foi a primeira postura que eu tive como tropicalista, rompendo uma barreira minha. Hoje a minha essência são todas as Gals dessas épocas. Eu sou todas. Sou totalmente bossa nova, apaixonada pelo João, sou clássica, sou rock'n'roll. E eu posso fazer isso porque minha história tem tudo isso."

    Gal Costa - "Divino Maravilhoso"

    mônica bergamo

    Jornalista, assina coluna com informações sobre diversas áreas, entre elas, política, moda e coluna social. Está na Folha desde abril de 1999. Escreve diariamente.

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