• Colunistas

    Thursday, 02-May-2024 07:29:41 -03
    Mônica Bergamo

    'É Sergio Moro na terra e Deus no céu', diz Cássia Kis

    03/09/2017 02h00

    A atriz Cássia Kis conversa com o repórter Bruno Fávero em uma sala do Projac, complexo de estúdios da TV Globo, quando seu colega Marcos Palmeira entra, pede licença e a puxa de lado. "E aí, o que achou? Só faltou falar um pouco mais da questão do Moro, né?", diz Palmeira. "Foi ótimo, foi ótimo, aquela abertura que ele fez...", responde a atriz.

    *

    "Ele", no caso, é o procurador da Lava Jato Deltan Dallagnol, que na véspera desta entrevista deu uma palestra para um grupo de artistas na casa de Cássia, na Barra da Tijuca, zona oeste do Rio.

    *

    A impressão deixada por um dos principais nomes da Lava Jato foi a melhor possível. "É um homem brilhante, brilhante. Acho que é... olha, nem consigo achar um adjetivo para ele", diz a atriz.

    *

    Preocupada com os rumos do país, ela tem se engajado cada vez mais em discussões sobre a política brasileira. E a Lava Jato é um dos poucos pontos positivos que vê.

    *

    "É Moro na terra e Deus no céu", resume. "Essa frase tem que ser gravada no Brasil inteiro. Não é possível alguém querer ir contra a Lava Jato." E emenda: "Tô falando isso, mas nem sei se eu tô conversando com um petista...".

    *

    Ela diz que já teve "muita simpatia" pelo partido de Lula e chegou a assistir a comícios do ex-presidente em São Bernardo, mas se decepcionou, tanto com a sigla quanto com o líder. "Lula nunca teve boas companhias e nada pode ser pior do que isso."

    *

    Mas o problema do país, opina, não é só dos partidos. "Nós vamos sair desta crise. E depois? Vai ter outra crise. O sistema não funciona. Eu falo pro meu filho: 'Joaquim, eu preciso que você trace seu objetivo para daqui a um ano e meio. Até lá, o que você vai fazer?'. Precisamos pensar: qual será o Brasil dos próximos cem anos?"

    *

    "Cada vez que eu tô no sinal dentro do meu carro e vejo aqueles boys maravilhosos de 30 anos vendendo guarda-chuva, negros lindos eles chegam perto de mim e eu penso: 'África, nos perdoe, por favor!'. São tantos os homens lindos que não conseguem avançar por conta do Estado", diz.

    *

    Ela fala enquanto come com talheres de plástico a comida embalada em uma caixinha de papel que pediu no delivery de um restaurante. Mais tarde gravaria uma cena da novela das 23h, "Os Dias Eram Assim", que se passa durante a ditadura militar.

    *

    A atriz critica movimentos que pedem a volta do regime militar e diz temer a ascensão do candidato Jair Bolsonaro (PSC). "Uma loucura. Uma loucura. Uma loucura. Uma loucura. Uma loucura", diz.

    *

    Na trama, Cássia faz um par romântico com José de Abreu, ator que é filiado ao PT e já foi xingado em um restaurante por sua militância. "[O xingamento] é um absurdo. A gente tem uma diferença política. E daí? Ele é gentil comigo e eu com ele, somos amigos, frequentamos a casa um do outro", afirma.

    *

    O ambiente das gravações, diz, é o melhor de sua carreira. "A gente se encontra, discute o texto, fala sobre a cena. Em uma novela das 21h, isso é absolutamente impossível. Eu adoro [novelas das 21h], mas eu vejo 99% das cenas e penso: 'Ah, se pudesse ter arrumado um pouco mais'. O produto precisa ser menor, não dá mais para fazer obra de 190 capítulos."

    *

    Enquanto fala, Cássia não para de se mexer. Cruza as pernas, deita na cadeira, levanta, interrompe a conversa para falar com conhecidos. Com alguma frequência, se perde em digressões e pergunta ao interlocutor sobre qual assunto estavam falando.

    *

    Há 12 anos, um amigo (leigo) sugeriu que ela fosse bipolar. Convencida do "diagnóstico", foi a um psiquiatra. Saiu de lá com três receitas de medicamentos, que tomou por anos -só largou em 2014, após aderir ao budismo e à dieta macrobiótica.

    *

    Hoje, evita remédios. "A macrobiótica prega que é possível evitar as doenças com a alimentação", explica. E funciona para ela? "Se funciona para mim? Funciona para você também, funciona para qualquer um", garante.

    *

    Cássia fez um aborto quando tinha 30 anos e já militou contra a legalização da prática. Hoje, diz que a discussão "não é prioridade", mas mantém a posição.

    *

    "Eu tive um casamento incrível quando eu era muito jovem com um cara que não queria ter filho. E eu concordei que eu não ia ter filho. Quando eu fiquei grávida, tive medo de acabar com o casamento. Então tomei a decisão de fazer o aborto. Vou te contar: é muito difícil, padeço bastante. Fazer um aborto não é bom. Eu não quero partilhar disso."

    *

    A conversa volta para política. Apesar do entusiasmo que revela ter pela Operação Lava Jato, a atriz diz não sentir satisfação em ver acusados de corrupção na cadeia. Pelo contrário.

    *

    "Eu poria as pessoas para trabalhar no campo, se recuperar na natureza. O ex-presidente do Banco do Brasil [Aldemir Bendine, preso pela operação], por exemplo, com certeza não chegou onde chegou à toa, tem valor. Queria ver esse homem recuperado, trabalhando pelo Brasil". Na mesma linha, "adoraria ver o [ex-governador do Rio Sérgio] Cabral varrendo a rua".

    *

    Fim da entrevista. Antes da despedida, a atriz anda em círculos em volta do repórter e mexe os dedos como se estivesse lançando um pó invisível. "Isso aqui é pra você prestar atenção no que vai escrever, viu? Já tive muito problema com jornalista."

    mônica bergamo

    Jornalista, assina coluna com informações sobre diversas áreas, entre elas, política, moda e coluna social. Está na Folha desde abril de 1999. Escreve diariamente.

    Edição impressa

    Fale com a Redação - leitor@grupofolha.com.br

    Problemas no aplicativo? - novasplataformas@grupofolha.com.br

    Publicidade

    Folha de S.Paulo 2024