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    Mônica Bergamo

    Bárbara Paz diz que quer novo amor 'porque, senão, o Hector ficaria puto'

    15/10/2017 02h00

    Em uma postagem recente em seu Instagram, a atriz Bárbara Paz ensaiou uma definição de si mesma: "Alma velha / Corpo de menina e um pensamento transexual com a matéria".

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    A "alma velha" ela diz que tem desde sempre: "Parece que eu sou uma mulher de outros tempos. Eu tenho uma coisa de outra geração, sabe? Não sei, um cansaço na alma". Ao mesmo tempo, conta que tem "uma energia de adolescente" e que a idade, de 42 anos, é só um número. "A minha cabeça é que envelhece. O meu corpo não!"

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    O resto da definição a atriz não esclarece. "Decifra! Não preciso explicar as palavras", diz, aos risos, ao repórter João Carneiro, em seu apartamento no Leblon, no Rio.

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    Ela, que viveu a maior parte da vida em São Paulo, se instalou na capital carioca há cinco meses para filmar as cenas da novela "O Outro Lado do Paraíso", em que fará o papel da vilã Jô. O folhetim estreia na segunda (23), na Globo, no horário das 21h.

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    Também criou no apartamento uma pequena produtora para montar o documentário que prepara sobre o cineasta Hector Babenco, morto no ano passado, aos 70 anos, com quem vivia desde 2008. Ele foi diretor de filmes como "Pixote: A Lei do mais Fraco" (1981) e "O Beijo da Mulher Aranha" (1985), que lhe rendeu uma indicação ao Oscar de melhor diretor.

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    No final da vida e já com a saúde debilitada, o cineasta se deixava filmar por Bárbara e gravava com ela trechos de narração para a obra. Ela conta que Hector queria que ela terminasse logo o filme, em que ele pretendia registrar suas impressões "sobre cinema, sobre o fim, sobre o 'estar vivo'". "Ele deixou para mim essa missão", diz.

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    Na sala de edição, Bárbara preencheu uma parede inteira com post-its, organizados por cores, cada um representando uma cena que pode entrar no filme. Sobre a mesa, fica um enorme calhamaço com as transcrições do material. O documentário, cujo título provisório é "Monsieur Babenco", deve estrear no ano que vem.

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    Em um dos trechos gravados para o longa, o cineasta está em uma cama de hospital em Paris e, fitando a câmera, afirma à enfermeira, em francês: "Ela [Bárbara] vai registrar a minha dor". E repete: "Ela vai registrar a minha dor."

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    "A dor também pode ter o seu lado de poesia", diz a atriz. "Pode ser construtiva, deve ser. Eu tento transformar isso. Como eu transformei a [morte] da minha mãe, como eu transformei as coisas que aconteceram na minha vida. Eu fui tentar ser maior, [fazer] a dor se transformar em algo maior, a perda se multiplicar. É o que eu sou, o que eu vou fazer? Eu não tenho outra história."

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    Bárbara perdeu o pai aos seis anos de idade. Aos 17, morreu sua mãe, que sofria de problemas pulmonares e de quem cuidava -ela conta que teve uma "adolescência tardia" por causa da responsabilidade. "Eu não gostaria que tivesse sido assim, mas acredito muito nas coisas que a vida te traz e que você agarra. Você tem que conduzir seu barco. Não pode parar, senão você se afoga. "

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    "Eu tento transformar tudo em poesia. Porque, senão, como é que você vai sobreviver? Como é que você vai viver pensando nas desgraças da sua vida? Você tem que pensar também na beleza que isso te trouxe."

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    Ela diz que vive um momento "de se reinventar". "Quero outras possibilidades de amar, também. Quero encontrar um novo amor, casar de novo. Porque, senão, o Hector ia ficar muito puto. Ele queria me ver feliz, que eu continuasse minha vida. Ele sabe que eu sou melhor amando. O sentido da nossa existência é isso. É amar."

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    "Depois de uma perda, você volta ao autoconhecimento. Você é obrigado a mergulhar em você de novo. Nos seus fantasmas, naquilo que te falta. Acho que a palavra luto é muito forte. Não acho que é luto. O mais forte pra mim é a solidão, você voltar ao começo de tudo, sabe?"

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    Hector, conta, foi o integrante mais recente da "nova família" que construiu com "namorados, amigos e pessoas de teatro" em São Paulo, para onde se mudou após a morte da mãe. Ela diz que, recém-chegada de Campo Bom, uma cidade de 65 mil habitantes no RS, o teatro a "abraçou de uma forma que não conhecia".

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    Hoje, há quase um ano fora dos palcos, ela afirma que voltar a fazer peças é "uma questão de sanidade". "Chega quinta-feira [dia de apresentações nos teatros], eu não consigo. Começa a ficar uma leve deprê. O teatro realmente é minha segunda casa. Ou talvez minha primeira, porque eu sinto falta do camarim, do cheiro, de estar ali."

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    Diz também que pretende dar mais atenção ao trabalho como cineasta. Seu apartamento tem as paredes repletas de referências de cinema, como um trecho do "storyboard" de "A Insustentável Leveza do Ser" (1988). Ela conta que tem roteiros guardados de sua autoria que gostaria de dirigir ou interpretar no cinema.

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    Em uma de suas incursões no ofício, Bárbara subiu o morro da Rocinha para fazer um documentário na noite de Natal e passou a ceia com três famílias diferentes, que conheceu no dia. "Eu ainda vou terminar esse meu filme. Mas, na metade da noite, eu já estava parando de filmar porque eu achava que aquilo ali era pra mim, não era um filme."

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    Voltou recentemente, depois da operação do Exército no morro, para ver se os amigos que fez estavam bem. "Pra que eu vou ter medo? Eu não tenho medo de gente."

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    Por outro lado, diz que tem medo da solidão. "[O artista] é muito solitário, né? A gente acaba uma peça e o buraco que dá A plateia aplaude, a casa cheia, e você vai pra casa ficar sozinho. Dá uma solidão que não dá pra explicar. Tanto que eu falo para as pessoas ficarem para me abraçar no final."

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    "E, por ser solitário, [o artista] já é inseguro. Então, precisa de uma pessoa que acredita em você pra você acreditar. Eu preciso. Para mim, a parceria em vida é fundamental. A felicidade existe com um outro, compartilhada. A vida é esse 'dividir'. Eu sou triste sozinha. Sou mais feliz junto."

    mônica bergamo

    Jornalista, assina coluna com informações sobre diversas áreas, entre elas, política, moda e coluna social. Está na Folha desde abril de 1999. Escreve diariamente.

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