• Colunistas

    Friday, 03-May-2024 07:49:14 -03
    Mônica Bergamo

    'Meu pai me culpou pela doença dela', diz Lilia Cabral sobre morte da mãe

    05/11/2017 02h00

    Lilia Cabral teve que enfrentar o pai para realizar o desejo de ser atriz. Ele não queria que ela seguisse a profissão e a proibiu de voltar para casa quando ela decidiu, aos 26 anos, se mudar de SP para o Rio para perseguir a carreira de intérprete.

    Hoje, aos 60 e prestes a completar 40 desde sua estreia no teatro, Lilia já tem mais de 20 novelas no currículo -a última foi "A Força do Querer", que terminou em outubro. Também começou a filmar um longa da peça "Maria do Caritó", que protagonizou ao longo de cinco anos.

    Antes de uma gravação, a atriz recebeu o repórter João Carneiro em sua casa no Rio e falou sobre sua dedicação à profissão que escolheu -e que a filha, Giulia, também quer seguir-, dos desejos reprimidos na adolescência e dos louros que colheu pelo trabalho, incluindo duas indicações ao Emmy. "Dou muito valor, não é pouco não. Porque eu sei como custou", diz.

    O COMEÇO
    A forma que eu via minha adolescência era como se estivesse dentro de uma garrafa e pusessem a tampa. Eu não sentia liberdade pra nada.

    Eu era muito reprimida pelo meu pai. Havia um impedimento de eu ser o que eu gostaria de ser. Eu lembro que eu assistia às novelas e ficava me imaginando o tempo inteiro no lugar da Dina Sfat, da Glória Menezes.

    Eu pensava assim: "Isso eu sei fazer!". Eu ia pro meu quarto, escrevia muito, e depois começava a interpretar aquilo que eu escrevia. E sempre tinha muita dor, sabe? Aquela sensibilidade à flor da pele. Eu fui cada vez mais acreditando que eu não queria ser nada, eu queria ser atriz.

    *

    Aos 18 anos, eu vim pro Rio de Janeiro pela primeira vez. Quando eu desci no Rio e vi aquele mar, o Pão de Açúcar, o Corcovado. Na hora que eu botei o pé, falei: "É aqui que eu quero morar". Acho que justamente porque eu senti que aqui eu ia ter a liberdade que eu tanto sonhava.

    E de fato. Quando eu cheguei no Rio [aos 26], eu comecei a ter a minha vida, com todas as dificuldades, mas eu era livre. Não tinha dinheiro para nada, mas não interessava. Eu tava feliz.

    O PAI
    Quando eu voltei [a São Paulo], meu pai falou: "Olha, você quer morar no Rio, quer fazer sua vida, quer ser atriz. Então, eu não quero mais que você entre na minha casa". E eu nunca mais entrei.

    Cada vez que eu queria ver minha mãe, eu tinha que combinar de vê-la na casa da minha tia, e meu pai eu não via. Mas minha mãe ficou doente [de câncer]. Aí eu voltei.

    Mesmo assim, o encontro foi horrível, porque meu pai me culpou pela doença dela. [Dizia] que "o sofrimento todo que ela teve"... Quer dizer, ele foi quem proporcionou esse sofrimento.

    Mas, para não discutir, eu aceitei. Falei: "Tá bom, eu sou a culpada. Sou a culpada de tudo". Mas minha mãe, depois da descoberta, não durou seis meses. Porque não tinha mais jeito.

    *

    Sobrou meu pai, só que depois daquela mágoa, daquela forma repentina de me anular da vida deles, fica muito difícil a gente ter alguma coisa, assim, de coração. Mesmo assim, eu jamais abandonei. Trazia meu pai pra cá, levava para as peças. Aí ele começou a ter orgulho, bastante.

    A gente entende, a gente perdoa, mas é difícil limpar o coração totalmente. Humanamente, acho que é até normal a gente sentir alguma dor. Poxa, se não tivesse feito isso, a vida da gente poderia ter sido outra.

    A FILHA
    Ao contrário [não hesitou em apoiar a filha, Giulia, 20, que estuda para ser atriz]. Por muito tempo, ela não falava. Ela vivia tudo aquilo comigo desde pequena, e ficava tolhida de dizer que queria ser atriz, porque todo mundo falava assim: "Ah, quer ser atriz porque a mãe é".

    *

    Quando ela conseguiu, eu falei: "Você quer! Você tem que falar! Quando alguém pergunta 'Ah, você vai seguir a profissão da sua mãe?', você fala assim: 'Vou, porque eu gosto. Porque eu quero!'".

    PERSISTÊNCIA
    Nunca [pensei em desistir de ser atriz]. E olha que tive momentos difíceis, porque não sabia como é que a gente ia sobreviver no mês seguinte, sabe? Mas sempre aparecia alguma coisa. Eu nunca me lembro na minha vida que eu falasse assim: "Nossa, agora eu regredi, voltei seis meses". Era sempre um passo à frente.

    *

    Eu fiquei muito tempo sem fazer papel de protagonista na TV. Mas, a cada papel que eu fazia, um era sempre melhor que o outro.

    Eu remei, remei, remei, e consegui de fato. E não posso negar. Mas muitas vezes as pessoas não me viam como eu queria que vissem.

    Hoje, eu não me preocupo. Eu vou atrás daquilo que quero fazer.

    DEDICAÇÃO
    O jeito aplicado de ser eu sempre tive. Eu estudo exatamente como se eu estivesse estudando para uma prova de português, matemática, e quero tirar uma nota boa, entendeu? E acho que vou ficar bem velhinha e vou estar lá colorindo [grifando] meus textos e fazendo deles quase que uma instalação [rindo].

    *

    Sempre que chego no set, sei exatamente o que vai acontecer. Desde a primeira cena até a última, eu tenho a história na cabeça. Se eu tô deprimida, não posso estar com batom, tenho que estar com uma roupa meio ruim. Discuto quando eu entro no figurino, "Olha, vamos escolher uma roupa assim".

    *

    Nisso tudo, eu tô com a cabeça bem concentrada. Eu posso dançar uma rumba, mas na hora que eu entro, eu tô concentrada em tudo.

    TEATRO
    Eu só consigo melhorar na TV se eu piso no palco. O teatro te propicia a pesquisa. É como se tivesse umas luzes por baixo [do palco]. Ele te irradia, te ilumina. Se eu sou exigente na televisão, no teatro eu sou 20 mil vezes mais.

    *

    Na televisão, você tem 30 e tantas cenas pra fazer num dia. Então, lógico, é muita coisa. Você sabe que, de todas aquelas cenas, teve duas em que você fez o seu melhor. E as outras você teve que cumprir.

    A televisão é uma indústria. [Mas] você não pode olhar como uma indústria, porque senão você não põe sentimento. Então quem é que te fortalece? Acho que o teatro.

    SUCESSO
    Eu adoro receber prêmios [rindo]. Tem gente que fala "Não, eu não ligo". Eu, não. É um reconhecimento, sim. E eu dou muito valor. Lógico que todo mundo merece, também. Mas dessa vez, o spot me iluminou. Então eu pego rapidinho e ponho lá na minha estante.

    *

    Quando falam assim: "Você é uma das melhores", eu já fico beeem feliz. A melhor eu acho que até tem, mas eu ainda não tô lá. Não sei se eu preciso ser a melhor, também tenho o direito de errar. Mas eu gosto de ouvir um elogio, né?

    *

    Eu vou ter um milhão de pessoas [no Instagram], sem ficar contratando gente pra postar. É es-pon-tâ-ne-o! [Dois dias depois, a atriz atingiu a marca]

    *

    Tenho que reconhecer isso. Me envaidece. Mas eu não vou acordar todo dia de manhã, pôr o pé no chão e já falar assim: "Olha, eu sou uma das melhores. Tenho um milhão [de seguidores], não sei o quê". Aí vai, atravessa a rua, cai um piano na sua cabeça e acabou essa história, acabou a vaidade, acabou tudo. Eu acho que a gente tem que ter bem os pés no chão. Né?

    mônica bergamo

    Jornalista, assina coluna com informações sobre diversas áreas, entre elas, política, moda e coluna social. Está na Folha desde abril de 1999. Escreve diariamente.

    Edição impressa

    Fale com a Redação - leitor@grupofolha.com.br

    Problemas no aplicativo? - novasplataformas@grupofolha.com.br

    Publicidade

    Folha de S.Paulo 2024