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    Mônica Bergamo

    Presos lembram com saudades dos banquetes de Odebrecht na prisão

    10/12/2017 02h00

    "Esconde tudo! Esconde tudo! Daqui a uma hora quero todo mundo dentro da cela. Nós vamos trancar vocês."

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    A ordem do delegado e dos agentes assustou os presos da Operação Lava Jato que estavam na carceragem da Polícia Federal, em Curitiba.

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    O doleiro Alberto Youssef escondeu sua sanduicheira embaixo da cama. O empreiteiro Marcelo Odebrecht guardou o aparelho de step. Caixas de chocolate foram recolhidas. Os presos entraram nas celas. "Vamos receber visita", explicou um dos policiais.

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    Pouco depois, o delegado voltou com homens e mulheres elegantemente vestidos. Todos olhavam atentamente para dentro das celas. Faziam perguntas aos agentes. Estudavam o ambiente.

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    Quando eles foram embora, os carcereiros disseram aos presos quem eram aquelas pessoas. Elas integravam a equipe do filme "Polícia Federal: A Lei É Para Todos.

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    Foi um episódio deprimente para os encarcerados daquela ala da PF. "Parecíamos macaquinhos no zoológico", diz um dos que cumpriam pena na época. "Éramos como animais exibidos nas jaulas da Lava Jato", diz outro.

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    A tal visita interrompeu mais um dia como tantos outros na ala da carceragem da PF que abrigava os presos mais célebres da Lava Jato. "Levávamos uma vidinha bem normal", diz um dos detidos que já deixou a cadeia.

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    *Marcelo Odebrecht,* que deixará o local no dia 19 para cumprir prisão domiciliar, sempre foi a estrela maior do lugar, que, pelos presos que abrigava, ganhou o apelido de "ala VIP". Lá estão, por exemplo, o ex-ministro Antonio Palocci, o ex-executivo da Petrobras Renato Duque e o ex-deputado Pedro Corrêa. Pelo setor passaram ainda os doleiros Alberto Youssef e Nelma Kodama, os publicitários Mônica Moura e João Santana e empreiteiros da Andrade Gutierrez.

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    No começo da Lava Jato, a vida era dureza na "ala VIP". Youssef e Nelma Kodama chegaram a ficar mais de um ano trancafiados por 22 horas diárias, com direito a duas horas de banho de sol.

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    Quando Marcelo Odebrecht chegou para ficar, em fevereiro de 2016, depois de passagens por outras alas e pelo Complexo Médico Penal de Pinhais, já não havia tanto rigor. Uma geladeira tinha sido instalada no local. Com autorização oficial, a ala foi equipada ainda com TV e micro-ondas. Youssef e Odebrecht compraram panelas elétricas. O doleiro ainda providenciou a sanduicheira. E Marcelo, o aparelho de step para fazer exercícios.

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    Todos os equipamentos foram instalados no corredor que une as três celas da ala -uma delas é destinada às presas mulheres e as outras duas, aos homens. Engradados de água e refrigerante e outros mantimentos eram armazenados no local.

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    O corredor funciona também como espaço de convivência. Nele há um sofá improvisado, feito com vários colchões, onde os presos se instalavam para ver filmes que recebiam em pen drives enviados pelas famílias. As séries favoritas eram "House of Cards", "Breaking Bad" e "Narcos", que conta a vida do traficante Pablo Escobar.

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    João Santana costumava acordar às 4h para ler. Nelma Kodama despertava mais ou menos na mesma hora e, atenciosa, esquentava água no micro-ondas e fazia café solúvel para ele.

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    Odebrecht pedia para Nelma acordá-lo entre 6h e 6h30. "Eu mexia no dedão do pé dele, que fazia sinal de positivo e colocava shorts e camiseta para malhar", lembra a doleira. Comia seis bananas prata e fazia ginástica até o meio-dia, sem intervalos.

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    Almoçava. À tarde, escrevia longas cartas, uma espécie de diário, para a mulher e as filhas. E estudava seus processos. "Você tá é escrevendo a tua delação, né?", dizia a ele Pedro Corrêa, o mais brincalhão de todos.

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    Corrêa só chamava Marcelo de chefe. "E aí, chefe? E agora? Não tem mais empreiteira pra corromper, não tem mais político para ser corrompido. Como é que vai ser?". O empreiteiro reagia: "Isso é brincadeira que se faça?".

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    Odebrecht era fechado. Não perguntava nada nem contava nada a ninguém. Mas era "o mais solidário de todos", de acordo com um ex-companheiro de cela. "Às vezes chegava lá uns ladrões de cigarro, só com a roupa do corpo. Ele dava o próprio moletom para que não passassem frio. Emprestava lençóis, cobertores". Demonstrava tranquilidade e força.

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    Houve um dia, no entanto, em que os companheiros de cela perceberam que Marcelo fraquejou. Foi quando o STF (Supremo Tribunal Federal) julgou, em abril de 2016, o pedido de habeas corpus dele e de dois outros presos da Odebrecht. Os executivos foram soltos. Ele acabou permanecendo em Curitiba.

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    A notícia foi vista por todos na TV. "Que sacanagem, Marcelo", solidarizaram-se os amigos do cárcere. "Tudo bem. Pelo menos os outros dois vão para casa", respondeu ele, tentando disfarçar.

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    No mesmo dia, recebeu a visita da mulher, Isabela. "Ela chorava muito, muito. Sem parar", diz uma das testemunhas do encontro.

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    Mesmo com todos os reveses, resistia em aderir a um acordo de colaboração. "Não temos o que delatar", dizia. Em momentos de exaltação, afirmava: "Isso não é delação. Querem a nossa rendição. Isso não existe!".

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    Não reclamava de nada. Em cerca de dois anos, só uma vez foi visto falando mal de outra pessoa: seu próprio pai, Emílio Odebrecht.

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    "Meu pai não pensa em ninguém. Só nele", disse. "O que é isso, rapaz? Todo pai pensa no filho", contestava Pedro Corrêa. "Pensa coisa nenhuma, Pedro. Há quanto tempo ele não vem me visitar? Ele está pensando na empresa. Ele está certo. Mas eu é que vou ter que pagar?". O Ministério Público Federal exigia que Marcelo deveria cumprir uma pena mais longa, em regime fechado, para celebrar o acordo de delação.

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    As divergências em relação à condução da delação levaram ao rompimento entre pai e filho. Numa das visitas da mãe, Regina, Marcelo teria dado um ultimato: ou eu ou ele. E pediu que ela não o visitasse mais.

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    Por um bom tempo, o empreiteiro dormiu em um colchonete no corredor da carceragem. É que só os mais antigos ocupavam camas. Os novatos tinham que esperar por uma vaga. Odebrecht herdou a cama de José Antunes Sobrinho, da Engevix, quando ele deixou a prisão.

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    Mônica Moura, mulher de João Santana, dormiu num colchão no corredor até o dia em que Nelma Kodama, que foi presa um ano antes dela, foi embora, deixando a cama vaga. Já Alberto Youssef cedeu a cama a Pedro Corrêa e dormia no chão.

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    Um dos grandes problemas da carceragem era a sinfonia da madrugada -todos roncavam, sem exceção. Um dos mais barulhentos era Renato Duque, a todo momento cutucado pelos colegas para mudar de posição. Os que ficavam acordados até mais tarde caíam na risada.

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    Os presos da ala VIP compartilhavam a comida que as famílias levavam. E quase sempre dispensavam as marmitas da prisão.

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    As refeições enviadas por Isabela, mulher de Marcelo Odebrecht, em enormes tupperwares, eram consideradas verdadeiros banquetes. Um dos hits era o escondidinho de aipim [mandioca] e carne de fumeiro, ou porco defumado, típico prato da Bahia. Outro, o escondidinho de siri.

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    Sempre que alguém gostava de algum prato, Marcelo contava à mulher. Na próxima visita, ela enviava a refeição exclusivamente para a pessoa que apreciou a guloseima, com um bilhetinho. Uma das três filhas do casal escrevia aos presos, a quem chamava de "tio" e "tia".

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    Aos sábados, o próprio Marcelo preparava uma pizza com pão sírio e coberturas variadas. A de azeite com zaatar era considerada "espetacular". Outra receita levava tomate cereja e queijo de cabra importado.

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    Aos domingos, Youssef assumia as panelas. Fazia massa com molho de tomate que também era sucesso.

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    Marcelo recebia coisas de melhor qualidade graças à estrutura instalada pela Odebrecht em Curitiba para atender aos presos da empreiteira. Isso facilitava a entrega rápida de comida e de roupas de cama, por exemplo. Os demais tinham que esperar a visita da família para receber algo diferenciado. O empreiteiro chamava o serviço de "logística" e sempre perguntava aos colegas se estavam precisando de algo para que ele pudesse providenciar.

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    Cada preso tinha direito de receber R$ 500,00 enviados pela família pra gastar na prisão. Um carcereiro guardava o dinheiro e contabilizava as entradas e as retiradas.

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    Os recursos cobriam gastos rotineiros. Uma vez por mês, por exemplo, um barbeiro ia à prisão cortar o cabelo dos presos, que pagavam pelo serviço.

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    Youssef e Pedro Corrêa pagavam para uma funcionária da limpeza lavar as roupas deles fora da prisão.

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    A maioria lavava as roupas nos tanques do cárcere. Marcelo, não. Ele colocava tudo num saco que era recolhido por uma advogada da empresa. Ela levava a roupa suja e entregava limpas no lugar.

    (MÔNICA BERGAMO E BRUNA NARCIZO)

    mônica bergamo

    Jornalista, assina coluna com informações sobre diversas áreas, entre elas, política, moda e coluna social. Está na Folha desde abril de 1999. Escreve diariamente.

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