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    Nabil Bonduki

    A lição que vem da periferia

    09/05/2017 02h00

    Apu Gomes/Folhapress
    SÃO PAULO, SP, BRASIL, 20-03-2015, 16h00: Centro de Sao Paulo, visto apartir de Pedra conhecida como mirante, na Vila Brasilandia, em São Paulo (SP). Moradores seu reúnem em pontos altos da periferia para apreciar vista da cidade. (Foto: Apu Gomes/Folhapress, Cotidiano)
    Vista a partir de pedra conhecida como mirante, na Vila Brasilândia, periferia de São Paulo

    Pesquisa realizada pela Fundação Perseu Abramo com moradores da periferia de São Paulo que são antigos eleitores do PT e que mudaram de candidatos em 2014 e 2016 constatou que valores supostamente liberais, como o empreendedorismo, a meritocracia e o esforço individual, estão muito presentes.

    O estudo vem recebendo interpretações apressadas e equivocadas, reforçadas pela polarização que se formou na sociedade brasileira. Parte da esquerda ficou perplexa e avaliou que os programas de inclusão social do PT falharam, gerando um grupo social "ingrato" que, após se beneficiar de um governo progressista, virou a cara e mudou de "lado". Já a direita comemorou: os valores do liberalismo teriam chegado aos mais pobres, que teriam abandonado o barco esquerdista.

    Conhecendo e atuando há 40 anos nas periferias de São Paulo, a pesquisa não me surpreendeu. Esses valores sempre estiveram no ideário da periferia. Isso não significa, entretanto, que ela quer um Estado liberal.

    A periferia é fruto do empreendedorismo popular. A casa própria é, ao lado da educação para os filhos, o sonho da família trabalhadora. E o autoempreendimento foi o caminho encontrado pelo morador para obter a casa própria. Mas, ao mesmo tempo em que valoriza a capacidade de empreender, ele se organiza para pressionar o poder público a implantar serviços.

    Da experiência do autoempreendimento da casa, o movimento de moradia tirou a proposta do mutirão autogerido, combinando um empreendedorismo coletivo e solidário com a presença do poder público no acesso à terra e ao financiamento.

    O VAI, programa público de cultura que já apoiou milhares de projetos na periferia, é fruto da efervescência e do empreendedorismo da juventude periférica, que se orgulha de suas iniciativas, mas sem relacioná-las ao liberalismo.

    Na educação, o sistema de cotas raciais em universidades públicas não está em contradição com o mérito. As cotas enfrentam a injustiça histórica que condenou à exclusão a maioria dos brasileiros que não pertence à elite branca, mas elas não dispensam o esforço pessoal e o mérito, porque as vagas são insuficientes e o diploma superior deixou de ser um passaporte para um bom emprego.

    A lição que vem das periferias é clara: um poder público que garanta direitos é indispensável, mas isso não exclui o mérito, o esforço pessoal e o empreendedorismo, preferencialmente o comunitário. A experiência soviética já mostrou o desastre que é anular a iniciativa individual; o Estado não é capaz de garantir o paraíso na Terra. Mas acreditar que o individualismo, em uma sociedade capitalista, competitiva e injusta, possa garantir o bem-estar é uma ilusão que o neoliberalismo quer vender para o povo.

    nabil bonduki

    Arquiteto e urbanista, é professor da FAU-USP. Em São Paulo, foi vereador, relator do Plano Diretor Estratégico e secretário municipal de Cultura. É autor de 12 livros.
    Escreve às terças-feiras.

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