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    Nabil Bonduki

    Doria esvazia a Virada e desperdiça recursos públicos

    23/05/2017 02h00

    João Carneiro/Folhapress
    Ian Ramil começa show no palco da rua 7 de Abril, no centro de São Paulo
    Show de Ian Ramil, ganhador do Grammy, no centro de São Paulo

    Esta coluna poderia ter diferentes títulos: Virada esvaziada; do Fora Temer; do desfile (e violência) policial na cracolândia; do Bradesco. Mas como Doria interferiu diretamente na Virada, vamos analisá-la sob a ótica da gestão. E, nesse sentido, ela foi um desastre organizativo e econômico. Indiscutivelmente, teve a pior relação custo/benefício das suas 13 edições.

    Proposta por Serra em 2005, a Virada articulou cultura e espaço público, tornando-se o maior festival de cultura do mundo. Atravessou três gestões como uma festa da cidade, sem coloração partidária, mas o prefeito resolveu desconstruir sua concepção.

    Desconhecendo a dinâmica urbana e cultural de São Paulo, quis confinar o evento ao autódromo de Interlagos, revelando uma visão segregadora que se opõe ao conceito de ocupação do espaço público ancorado na criação, na convivência e na cidadania cultural.

    Embora aprecie eventos em suas regiões, o paulistano também quer vir ao centro, que é de todos, rejeitando o confinamento no "gueto". A Virada sempre foi o momento de encontro dos jovens de diferentes regiões, classes e gostos culturais.

    Para conciliar o desejo do prefeito com o vigor da Virada, a Secretaria de Cultura gerou seu esvaziamento. Retiraram os grandes shows do centro e propuseram uma descentralização que, embora anunciada como novidade, já vinha ocorrendo há vários anos.

    Em 2016, além do centro, a Virada ocorreu em 81 diferentes pontos da cidade, em todas as subprefeituras, incluindo palcos externos, Ruas Abertas e equipamentos municipais, com atividades complementares às do centro, para um público específico. Essa descentralização, entretanto, não alterou o seu espírito. Um grande público, atraído por artistas renomados, circulava por 24 horas no centro, usufruindo da diversidade e conhecendo novos artistas, linguagens e gêneros.

    Em 2017, a potência do centro não se transferiu para os caros palcos descentralizados, situados em locais de difícil acesso. Shows foram cancelados ou tiveram um público incompatível com a importância do artista; o participante da Virada não quer ir a um espetáculo, quer circular entre várias atrações.

    Além da censura velada aos artistas, a desarticulação institucional gerou situações constrangedoras. Em Interlagos, a programação infantil ocorreu simultaneamente a uma corrida automobilística, para espanto dos poucos que foram assistir.

    Nada, entretanto, foi pior que a falta de preocupação em programar uma operação policial de grande envergadura e violência no mesmo horário e a poucos metros de onde estava previsto o, até então, maior evento cultural do país...

    O dia da Virada, que deveria ser de alegria e convivência, tornou-se ainda mais pesado que o momento que vive o Brasil.

    nabil bonduki

    Arquiteto e urbanista, é professor da FAU-USP. Em São Paulo, foi vereador, relator do Plano Diretor Estratégico e secretário municipal de Cultura. É autor de 12 livros.
    Escreve às terças-feiras.

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