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    Nabil Bonduki

    O desmaio do menino de Brasília expôs os equívocos da política urbana

    28/11/2017 02h00

    Em 1978, a socióloga Lícia do Prado Valladares publicou um clássico sobre o programa de remoção de favelas da zona sul do Rio de Janeiro, nos anos 1960, que deslocou milhares de famílias para conjuntos habitacionais, financiados pelo BNH, localizados a 30 km do local onde moravam.

    "Passa-se Uma Casa" mostrou que famílias removidas vendiam as novas casas e retornavam para favelas, onde tinham expedientes de sobrevivência. Carlos Nelson, arquiteto defensor da urbanização de favelas, disse: "A favela não é um problema, é uma solução".

    Direito a habitação, aprendeu-se, não podia se limitar a oferecer uma moradia, um teto. Tinha que garantir acesso a cidade, aos serviços públicos e a condições de obter trabalho e renda. Aprendeu-se?

    O caso de Gabriel, que desmaiou de fome em uma escola de Brasília, revelou para o grande público, com crueldade, o que já sabíamos: os governos, pressionados pelo setor imobiliário, repetem os equívocos da política urbana.

    Removida de uma ocupação situada no Noroeste (Plano Piloto), a família do menino saiu de um barraco de madeira de um cômodo, que só tinha energia elétrica à noite, para um apartamento de 46 m², com dois quartos, subsidiado pelo Minha Casa, Minha Vida.

    Maravilha! Para o Paranoá Parque, situado a 21 km da Esplanada dos Ministérios, foram deslocadas 6.000 famílias, muitas provenientes de ocupações retiradas de áreas nobres.

    A falta de equipamentos sociais, inexistentes no local e insuficientes em Paranoá, cidade satélite de Brasília, é apenas uma face do problema, que com o tempo poderá ser superada.

    A questão estrutural é a segregação territorial, que gera bairros-dormitórios afastados da cidade. "O governo deu apartamentos do Paranoá, mas tirou nossas oportunidades", afirmou uma moradora.

    Muitos estão desempregados devido ao custo do vale-transporte: são necessárias quatro conduções para chegar aonde tem emprego. A família de Gabriel, que trabalhava com reciclagem, ficou sem renda para complementar o Bolsa Família. Novas despesas, como condomínio e taxas, passaram a ser exigidas.

    No Noroeste, como na zona sul do Rio, jorram oportunidades. Mas foi destinado a empreendimentos privados de alta renda, em uma urbanização sofisticada. Por isso, os pobres foram removidos.

    Podia ser diferente. As terras do Distrito Federal foram estatizadas, nos anos 1950, para implantar a nova capital. Pertencem à Terracap, empresa do GDF. Em vez de deslocar os moradores para longe, o governo poderia ter destinado áreas inseridas na cidade para habitação social.

    Mas optou por reproduzir uma lógica de exclusão urbana e de política habitacional que gera dramas como o vivido por Gabriel.

    nabil bonduki

    Arquiteto e urbanista, é professor da FAU-USP. Em São Paulo, foi vereador, relator do Plano Diretor Estratégico e secretário municipal de Cultura. É autor de 12 livros.
    Escreve às terças-feiras.

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