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    Nelson de Sá

    No início, não no fim

    09/04/2013 14h37

    Ao longo do último mês, nos EUA, avolumaram-se relatos dramáticos da crise nas redações. Três, em especial.

    No mais recente, o célebre Frank Rich, que trocou o "New York Times" pela "New York", conta na nova edição da revista que viu um colega de "Washington Post" e, "como é típico nesses encontros, comparamos anotações sobre o estado da indústria".

    No longo texto, lista o que vem acontecendo nas publicações com que se relacionou por décadas: a "Time" está à venda, o "WP" pôs seu prédio à venda, o "Detroit News" agora só sai três vezes por semana, o "Variety" só sai uma, o "Richmond Mercury" e o "Boston Phoenix" fecharam.

    Mas para Frank Rich "a última coisa que o jornalismo precisa é de nostalgia". Diz que já "estamos no início de um novo capítulo na história da mídia noticiosa, não no final do último". E aconselha jornalistas e leitores a "aguentar enquanto atravessamos o sublime e o ridículo".

    *

    Há um mês, o free-lancer Nathe Thayer relatou e-mails trocados com uma editora da "Atlantic" que tentou convencê-lo a ceder um texto de graça, só pela exposição. Por ironia, anos antes, Thayer havia recusado convite da mesma revista para um contrato de alto salário.

    O episódio provocou reações de David Carr, que cobre mídia no "NYT", a Felix Salmon, da Reuters, este ironizando haver dois tipos de site jornalístico, agora: "somos pequenos, não podemos pagar" e "somos grandes, por favor, escreva pela exposição".

    Alexis Madrigal, que edita mídia na "Atlantic", respondeu com uma defesa da jovem editora. Diz que hoje o padrão é pagar US$ 100 por colaboração, quando muito, que o orçamento é baixo e o trabalho é exaustivo _e que só insiste para que a revista centenária não morra com sua geração.

    "Eu seria amaldiçoado. Chegaria aos portões do céu e ouviria, 'espere, você é um dos caras que deixaram a Atlantic morrer?'. E puf, queimaria no inferno. Ou melhor, corte isso: eu ficaria preso no purgatório, reescrevendo press releases sobre sustentabilidade corporativa."

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    O terceiro relato, três semanas atrás, foi mais emotivo. Foi o "testemunho de uma jovem", no dizer de Jay Rosen, professor de jornalismo da New York University, de que "o jornalismo diário machuca o seu coração: se você o ama, ele não te ama de volta".

    Allyson Bird, 28, conta longamente por que abandonou o ofício. Em suma: "Finalmente aceitei que a vaidade de um crédito estava me mantendo num emprego que me deixava física e emocionalmente exausta, mas ainda assim extremamente insatisfeita".

    Ela diz que jornalistas "gostam de descrever como 'ir para o lado escuro' quando um colega sai para um emprego de relações públicas". Foi o que ela fez e o que ouviu, na redação, enquanto "olhava para o meu cubículo e abria meu melhor sorriso de Miss América".

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    O movimento de "ir para o lado escuro", para o "purgatório" dos releases, ganhou números nos EUA quando o instituto Pew contabilizou que a influência das assessorias foi maior que a das redações, pela primeira vez, na cobertura eleitoral de 2012.

    O levantamento mostrou também que os jornais reduziram em quase um terço as suas redações, na última década, e perderam quase um terço de seus leitores, devido à consequente queda na qualidade. Os leitores estão indo embora, por "insatisfação".

    Ecoando Frank Rich, o analista Ken Doctor reagiu aos números do Pew com a observação de que "os melhores leitores" estão falando ao jornalismo: "Recomponha-se, não importa quais sejam os seus problemas".

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    O jornalista Nelson de Sá cobre mídia e cultura na Folha. Escreve de segunda a sexta.

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