• Colunistas

    Thursday, 02-May-2024 06:36:46 -03
    Nelson de Sá

    Com protestos, web deixa TV para trás

    02/07/2013 11h35

    No dia 17, a argentina Mirta Varela seguiu o protesto no Rio. "Inicialmente, havia um clima festivo, canções, meninas com flores no cabelo. Mas uma hora depois o clima já ficou tenso, pelos helicópteros sobrevoando."

    Varela, professora titular de História dos Meios de Comunicação da Universidade de Buenos Aires, também seguiu os protestos pela internet e pela televisão "todos os dias", desde que chegou ao país há três semanas, para conferências.

    E aponta nos mesmos helicópteros o divisor entre o que se vê nas redes sociais e nas emissoras. "A cobertura de TV se dá longe dos manifestantes, de um ponto de vista externo. É o contrário das cenas do Cordobazo [protestos na Argentina, em 1969]."

    Ela relata que nos anos 1960 "as câmeras leves eram novidade e permitiram captar os fatos de dentro", o que contrastou com as panorâmicas que haviam registrado as manifestações peronistas dos anos 1940. A cobertura brasileira, agora, retorna às panorâmicas.

    "E as imagens distantes são acompanhadas por vozes dos jornalistas" e de analistas convidados, não de manifestantes, ou seja, "o monopólio da palavra é da TV".

    Apesar disso, a suspensão da programação da Globo para cobrir as manifestações do dia 20 "traz uma mensagem muito clara: o importante já não acontece na TV, mas nas ruas".

    *

    Esther Hamburger, professora livre docente da Escola de Comunicações e Artes da USP, autora de "O Brasil Antenado" (Jorge Zahar, 2005), ressalta que a internet exacerbou as relações, com efeito direto sobre a mobilização para protestos:

    "Antes já existia um vínculo entre TV e movimentos, porque os manifestantes se veem e se inspiram. Com a web, acontece uma coisa que o [urbanista e filósofo francês] Paul Virilio fala, que é o excesso de contato que as novas tecnologias trazem. Acontece a intensificação das relações."

    A web interfere diretamente nos protestos e indiretamente sobre a própria TV. "Estamos longe do momento em que as pessoas acreditavam na informação que vinha da TV. A pluralidade faz com que todos sejam bem alfabetizados na linguagem, para saber como a notícia é construída."

    Mirta Varela, que acaba de publicar "Masas, Pueblo, Multitud en Cine y Televisión" (Eudeba), avalia que a atuação das redes sociais nos protestos brasileiros "permite fazer circular algo que a TV não apresenta, que são as imagens de dentro dos acontecimentos e os múltiplos pontos de vista".

    Um exemplo seriam as transmissões ao vivo do coletivo Ninja, no site PosTV, que se disseminaram via Twitter e Facebook. Aqui, horas depois da cobertura de maior repercussão, o repórter Filipe Peçanha dá um depoimento sobre a transmissão.

    Varela alerta porém que "a substituição da hegemonia da TV pela da web não vai necessariamente na trilha da horizontalização, da descentralização", pois também "a internet tem núcleos de forte controle da informação".

    Sandra Gonzalez-Bailon, pesquisadora do Instituto de Internet da Universidade de Oxford, autora dos primeiros estudos sobre o vínculo entre web e os protestos do movimento espanhol Indignados, em 2011, faz o mesmo alerta.

    Twitter e outras ferramentas de mídia social não são redes descentralizadas, diz. Pelo contrário, reproduzem hierarquias extremamente verticalizadas, em que alguns eixos, perfis com grande número de seguidores ou fãs, concentram o potencial de mobilização.

    *

    Para registro, no mês de junho, até o dia 24, 216 mil pessoas diferentes escreveram nas redes sociais Twitter, Facebook e Google+ sobre os protestos no Brasil, somando 358 mil posts.

    É o que relata um levantamento feito pelas empresas iCustomer e Odiseo, com base em 29 palavras e "hashtags" associadas às manifestações, como "passe livre" e "#vemprarua".

    Os posts explodiram a partir do dia 13, com a convocação e depois a reação on-line ao protesto que resultou, em São Paulo, a partir da esquina da rua da Consolação com a Maria Antonia, em uma "noite de caos" e violência policial.

    O levantamento indica que, se a mobilização nasce nos perfis de Facebook, com as convocações para cada nova manifestação, a cobertura se dá mais via Twitter. Do total de internautas que escreveram sobre os protestos até o dia 24, 65% postaram no Twitter e 30% no Facebook. No Google+, 4,7%.

    Para Jacqueline Lafloufa, editora-executiva do site de mídia Blue Bus, os números maiores do Twitter refletem seu "caráter de broadcast", de transmissão, com viés mais "informativo, de distribuição de conteúdo".

    nelson de sá

    toda mídia

    nelson de sá

    O jornalista Nelson de Sá cobre mídia e cultura na Folha. Escreve de segunda a sexta.

    Fale com a Redação - leitor@grupofolha.com.br

    Problemas no aplicativo? - novasplataformas@grupofolha.com.br

    Publicidade

    Folha de S.Paulo 2024