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    Nelson de Sá

    Inovação, paciência & dinheiro

    06/08/2013 14h20

    Uma semana atrás, dois dos maiores grupos de propaganda do mundo, Publicis e Omnicom, se juntaram. Foi uma ação defensiva para enfrentar Google, Facebook e outras gigantes de tecnologia. Ontem o "Washington Post" foi além e entregou os pontos, por US$ 250 milhões.

    A venda por Don Graham, da família que controla o jornal há oito décadas, para Jeff Bezos, da Amazon, é o "momento que define uma era de convulsão no jornalismo" e que, mais importante, "sacode o jornalismo americano de sua caminhada sonâmbula para o esquecimento".

    Antes de mais nada, porém, não faltam alertas de que o novo magnata chega com bagagem. "Ele está comprando um bocado de influência, uma cadeira na mesa" em Washington, descreve seu biógrafo, sublinhando o lobby da Amazon contra o imposto sobre vendas.

    Mais representativo: quatro meses atrás a Amazon conseguiu um contrato de US$ 600 milhões para fornecer serviços de nuvem à CIA, abrindo uma guerra de lobbies no Poder Executivo com a concorrente IBM _que no momento está em vantagem, mas Bezos contra-ataca.

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    Dito isso, os motivos para o novo magnata levar esperança ao "WP" e ao jornalismo americano estão em duas características de seu perfil, publicado na edição de hoje do próprio jornal: ele é um "inovador empresarial implacável" e, por outro lado, tem "muita paciência".

    Como escreveu Jack Shafer no blog de mídia da Reuters, ao contrário do que se pensa, "WP" e Amazon se assemelham no modelo de negócios, sobretudo na distribuição, tanto por caminhões quanto digital. E a família Graham e Bezos se assemelham na paciência.

    Sobre o que Bezos deve levar ao "WP", o melhor depoimento é de Henry Blodget, presidente e editor-chefe do Business Insider, site em que ele investiu US$ 5 milhões. Também Blodget destaca a paciência, dizendo tratar-se de alguém "focado no longo prazo", que reinveste.

    E Bezos poderá "experimentar" oferecendo conteúdo do "WP" via Amazon, tanto por caminhões quanto por seus próprios aparelhos digitais, Kindle. Mais precisamente, o jornal poderá ser "um laboratório para a próxima geração de comércio e conteúdo.

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    Agora pela manhã, no programa "Morning Joe", da MSNBC, Bod Woodward, um dos repórteres do escândalo Watergate, talvez o maior ícone do jornalismo do "WP", defendeu a venda e mostrou esperança com o futuro do jornal e de sua função como cão-de-guarda:

    "É tudo boa notícia. Bezos é um dos verdadeiros inovadores. Ele entende as coisas de maneiras que as outras pessoas não entendem. Ele está disposto a pôr um bocado do seu dinheiro em jogo. Eu o conheço um pouco e ele é um original, então, não se trata de Rupert Murdoch comprando o 'Wall Street Journal'. É alguém que acredita nos valores que o 'Post' pratica. Sinceramente, precisamos de um renascimento na reportagem. O 'Post' gasta US$ 100 milhões na coleta de informações. Se alguém vem e diz, 'vamos dobrar, vamos super-investir', que é a marca de Bezos na Amazon... Digamos que você tenha uma organização jornalística que realmente possa dizer o que acontece na NSA. A cobertura [do escândalo de espionagem] tem sido muito, muito boa, mas ainda restam perguntas e mistérios. O que realmente acontece na Casa Branca? E você acha que nós temos alguma ideia do que acontece nesses hedge funds ou nesses grandes bancos americanos? Não. Se alguém está disposto a vir e investir..."

    Em outras palavras, siga o dinheiro: pelos cálculos da Reuters, com o prejuízo anual do "WP" em US$ 100 milhões, Bezos, cuja fortuna alcança US$ 25 bilhões, pode parafrasear o magnata de "Cidadão Kane" e dizer que, "nesse ritmo, terei de fechar este lugar em... 250 anos".

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    O jornalista Nelson de Sá cobre mídia e cultura na Folha. Escreve de segunda a sexta.

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