• Colunistas

    Monday, 06-May-2024 06:38:55 -03
    Nelson de Sá

    Como Jean Charles

    DE SÃO PAULO

    21/08/2013 03h00

    Foram pouco mais de dois dias, até agora, para a história do jornalismo --o que sobreviver dele. A Scotland Yard, como havia feito com Jean Charles de Menezes, apelou à desculpa do terror para desrespeitar os direitos de um brasileiro, desta vez David Miranda.

    Na sequência, o editor-chefe do "Guardian", jornal que havia pago a viagem de Miranda entre a Alemanha e o Rio, para o transporte de documentos de interesse jornalístico, revelou que o governo britânico havia mandado destruir computadores do jornal, um mês atrás.

    Depois do texto, vieram entrevistas à televisão e por fim, no site do "Guardian", a imagem dos computadores destruídos. Os EUA correram a dizer que não fariam tal coisa, distanciando-se do Reino Unido, que passou a ser visto como Estado desrespeitador da democracia.

    Como já vinha acontecendo, poucos jornais britânicos se solidarizaram com o concorrente --como este anotou. Mas aos poucos a resposta se espraiou até chegar à noite ao "New York Times", do outro lado do Atlântico, e o "Guardian" achou o suporte de que precisava.

    No relato histórico de Alan Rusbridger, o editor do jornal britânico, um trecho tragicômico foi a piada de um dos dois agentes enviados pelo governo, ao confirmar a destruição dos equipamentos todos: "Nós podemos chamar de volta os helicópteros negros", da ficção.

    *

    Em que pese o significado institucional para o jornalismo, o brasileiro David Miranda se tornou muito mais que símbolo --sua tortura é pessoal. Além das horas de detenção sem direitos, virou alvo da "Veja" ao "Telegraph" e à CNN, chamado de "mula de droga".

    De início o jornalista Glenn Greenwald se mostrou despreocupado, dizendo que os aparelhos e documentos confiscados seriam inacessíveis aos ingleses (e americanos) por estarem criptografados. Mas não demorou para apelar à ameaça judicial, visando evitar o acesso aos mesmos.

    Sites e especialistas de tecnologia alertaram porém não ser tão simples assim, se Miranda tiver cedido as senhas de acesso. E parte delas, com certeza, ele cedeu sob as nove horas de pressão, permitindo que os espiões entrassem, por exemplo, nas contas de e-mail e Facebook.

    No mínimo, ingleses (e americanos) poderão alimentar as suas máquinas de destruição de caráter, como já tentaram antes com Greenwald, com novos detalhes da vida pessoal do brasileiro. Não é à toa que Miranda cobra reação do Brasil e se vê como alvo, não o jornalismo.

    Não por coincidência, pois se trata de um esforço generalizado de supressão da informação, Bradley Manning, que enfrentou campanha de destruição de caráter muito semelhante, por ter passado documentos confidenciais americanos ao WikiLeaks, recebe hoje sua sentença.

    nelson de sá

    toda mídia

    nelson de sá

    O jornalista Nelson de Sá cobre mídia e cultura na Folha. Escreve de segunda a sexta.

    Fale com a Redação - leitor@grupofolha.com.br

    Problemas no aplicativo? - novasplataformas@grupofolha.com.br

    Publicidade

    Folha de S.Paulo 2024