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    Nelson de Sá

    A criptografia funciona

    10/09/2013 21h47

    A presidente Dilma Rousseff foi monitorada, a Petrobras, espionada, e até agora a resposta técnica do Brasil foi anunciar para o ano que vem um e-mail criptografado dos Correios, tentativamente apelidado de Mensageria Digital.

    Talvez não seja tão pouco nem tão ridículo. A mais recente revelação do "Guardian", agora com "New York Times" e ProPublica, mostrou como a Agência Nacional de Segurança (NSA) "derrotou a privacidade da internet".

    Foi através de ações próprias contra criptografia, mas sobretudo com um programa milionário que "trabalha com empresas de tecnologia para inserir defeitos em seus produtos". Ou seja, o governo americano paga para ter uma porta livre.

    Em uma frase, de Bruce Schneier, referência em criptografia, "o governo e as empresas traíram a internet". No dizer de Kim Dotcom, "não se pode confiar em nenhuma empresa americana de software, chip, celular e provedora on-line".

    Mas calma, avisa Parker Higgins, da Electronic Frontier Foundation, aos "niilistas" da privacidade: "Lembrem-se, depois de ver todos esses documentos e outros, Edward Snowden ainda afirma que 'a criptografia funciona'.

    É por ela funcionar que o governo americano patrocinou ações vexatórias como perseguir o avião do boliviano Evo Morales, por suspeitar que trazia Snowden, e sequestrar o brasileiro David Miranda, para tentar acesso diretos aos documentos.

    *

    A criptografia funciona, como vêm pregando os cypherpunks ou criptopunks há mais de duas décadas. Julian Assange, do WikiLeaks, é um deles e lançou no final do ano passado um livro com outros líderes do movimento.

    O prefácio à edição brasileira, escrito por Assange ao mesmo tempo em que Snowden fazia os primeiros contatos com o jornalista Glenn Greenwald, que vive no Rio, soa hoje premonitórios. O livro saiu pela Boitempo em fevereiro. Um trecho:

    "A mensagem dos cypherpunks é de especial importância para o público latino-americano. O mundo deve se conscientizar da ameaça da vigilância para a América Latina. A vigilância não constitui um problema apenas para a democracia, mas também um problema geopolítico. Este livro discute o que acontece quando corporações norte-americanas como o Facebook têm uma penetração praticamente completa na população de um país, mas não discute as questões geopolíticas mais profundas. Um aspecto importante vem à tona se levamos em consideração as questões geográficas. Para tanto, a ideia do 'exército ao redor de um poço de petróleo' é interessante. Todo mundo sabe que o petróleo orienta a geopolítica global. O fluxo de petróleo decide quem é dominante, quem é invadido e quem é excluído da comunidade global. O controle físico até mesmo de um segmento de oleoduto resulta em grande poder geopolítico. E os governos que se veem nessa posição são capazes de conseguir enormes concessões."

    "A mesma coisa acontece com os cabos de fibra óptica. A próxima grande alavanca no jogo geopolítico serão os dados resultantes da vigilância: a vida privada de milhões de inocentes. Não é segredo algum que, na internet, todos os caminhos que vão e vêm da América Latina passam pelos EUA. A infraestrutura da internet direciona a maior parte do tráfego que entra e sai da América do Sul por linhas de fibra óptica que cruzam fisicamente as fronteiras dos EUA. O governo norte-americano tem violado sem nenhum escrúpulo as próprias leis para mobilizar essas linhas e espionar seus cidadãos. E não há leis contra espionar cidadãos estrangeiros. Todos os dias, centenas de milhões de mensagens vindas do continente latino-americano são devoradas por órgãos de espionagem e armazenadas para sempre em depósitos do tamanho de cidades. Dessa forma, os fatos geográficos referentes à infraestrutura da internet têm consequências para a independência e a soberania da América Latina. Isso deve ser levado em consideração nos próximos anos, à medida que cada vez mais latino-americanos entrarem na internet."

    "O problema também transcende a geografia. Muitos governos e militares latino-americanos protegem seus segredos com hardware criptográfico. Esses hardwares e softwares embaralham as mensagens, desembaralhando-as quando chegam a seu destino. Os governos os compram para proteger seus segredos por temerem, justificadamente, a interceptação de suas comunicações pelos EUA. Mas as empresas que vendem esses dispendiosos dispositivos possuem vínculos estreitos com a comunidade de inteligência norte-americana. Seus CEOs e funcionários seniores são matemáticos e engenheiros da NSA, capitalizando as invenções que criaram. Com frequência seus dispositivos são deliberadamente falhos: falhos com um propósito. Não importa quem os está utilizando ou como --os órgãos de inteligência são capazes de decodificar o sinal e ler as mensagens. Esses dispositivos são vendidos a países latino-americanos que desejam proteger seus segredos, mas na verdade constituem uma maneira de roubar esses segredos."

    "Os governos estariam mais seguros se usassem softwares criptográficos feitos por cypherpunks, cujo design é aberto para todos verem que não se trata de uma ferramenta de espionagem, disponibilizados pelo preço de uma conexão com a internet."

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    O jornalista Nelson de Sá cobre mídia e cultura na Folha. Escreve de segunda a sexta.

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