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    Nina Horta

    Tensão, pressão

    27/03/2015 02h00

    Esperei a quinta-feira no GNT para comentar o mais novo programa de culinária na TV brasileira no formato reality show. Assisti, mas era apenas o dia da seleção dos candidatos.

    Os jurados são André Mifano, Claude Troisgros e Felipe Bronze. Por enquanto mostraram-se simpáticos, seguros, com muita cancha de TV e, aparentemente, sem muitos fingimentos, caretas e broncas que costumam transformar esses programas em maratonas desagradáveis.

    Lembrem-se, o mais importante na televisão não é saber cozinhar. É ser um bom ator. Os programas do tipo reality são apenas situações de mais ou menos tensão e pressão. O ideal seria o equilíbrio, um pouco de tensão para divertir e um pouco de cozinha como conteúdo.

    Os candidatos também parecem bons, mas ainda vamos ter que lidar por um tempo com carpaccio de chuchu com camarão confit, fideuá negro, purê de batata com wasabi, batata-baroa com tutano e vinagrete de pêssego.

    Estou sempre me interrogando se há público para tantos programas de comida. É claro que existe um público, e enorme, pois se não houvesse não fariam os programas. E o patrocínio deve ser mais fácil pela abundância de produtos, panelas, utensílios, restaurantes... E não são feitos só para quem gosta de cozinhar, mas também para quem gosta de comer.

    Até os anos 80 os programas de comida eram poucos e didáticos, tinham outro feitio, mais maçante. Engraçados, muitas vezes, de tão primários. Quando nos Estados Unidos apareceu o canal a cabo só de aulas e programas sobre comida morri de inveja.

    E eis que estamos pegando o jeito. Só no GNT já temos Rita Lobo, Bela Gil, Rodrigo Hilbert, Olivier Anquier, Jamie Oliver, Nigella, Anthony Bourdain, Gordon Ramsay em vários perfis, aprendizes de chef, batalha de food trucks e talvez outros que não vi.

    Fica uma dúvida no ar. É puro entretenimento com cozinha, ou cozinha com entretenimento? Bem, alguns são didáticos, aprendemos mesmo a cozinhar. Outros alcançam sucesso pela personalidade do apresentador e outros se propõem somente a divertir e tanto faz se o assunto é comida ou música.

    Lembram-se de qual foi o espetáculo precursor dessa modalidade de entretenimento? Estreou aqui em horário nobre, assistido por homens e mulheres. O "Frugal Gourmet", com o Jeff Smith conversando e ao mesmo tempo fazendo dez pratos. As receitas se encontravam no livro da temporada e foi um formato que agradou a gregos e troianos.

    O canal a cabo americano que teve a coragem de acreditar que havia público para a comida aproveitou-se disso para arrebanhar mais e mais gente para seus programas, que não eram muito caros, e os professores usufruíam de todos os merecidos benefícios da fama de televisão, que não eram poucos.

    Quase nem percebemos sua escalada, havia que se formar tanto o consumidor, tornar seu paladar mais sensível (surgiram os foodies), quanto ensinar ao cozinheiro como usar bem aquele meio da TV com o qual não tinha muita familiaridade. E depois vieram os sites com milhares de receitas e os blogs atentos. E mais e mais coisas virão. Resta esperar, olhos atentos.

    ninahorta@uol.com.br

    nina horta

    É escritora e colunista de gastronomia da Folha há 25 anos. É formada em Educação pela USP e dona do Buffet Ginger há 26 anos.
    Escreve às quartas-feiras.

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