Pois é, assisti na quinta passada ao primeiro programa de verdade do Taste Brasil, na GNT. Achei legal. Já senti um alívio por não ser um programa histérico, com mulheres e homens de uma certa idade gritando a toda altura se recebem um elogio e pulando mais alto ainda, numa coreografia digna dos cronópios de Cortazar. Além de tudo, é perigoso, podem cair de costas e não se levantar nunca mais, como as baratas.
Intui que a competição é mais de equipes, os chefs é que lutarão por elas, ajudando, dando palpite. A apresentação feita em colheres pode não dar uma ideia muito boa do que foi feito e como conseguiu se acomodar lá dentro. Mas, tudo bem. E deve ter edição, dessas coisas que a gente não sabe, e a alguma hora eles provavelmente comem quente. Escolheram três cozinheiros inteligentes e simpáticos e vamos estreitar nossa amizade com eles. Se se comportarem!!!
O modo de servir acho que não tem mais volta. Nem precisa ser na colher. Há uns 20 e tantos anos ou mais já não se serve uma mesa aos moldes brasileiros e indianos, com a comida toda posta ao mesmo tempo. Nas casas de gente normal, que não é obcecada por comida, ainda somos capazes de ver o estilo comida de quilo, mas nos restaurantes, foi-se o tempo. Acabou mesmo. Pá de cal por cima. E com uma florzinhas.
Não adianta disfarçar, dizer que o Ferran sumiu como uma bolha e que agora é comida caseira e saudável, sem gracinhas e firulas. Nenhum movimento importante se estabelece sem deixar rastros. Muita, muita experiência dele será deixada de lado por algum motivo, por acaso, pela dificuldade. Outros métodos passarão a ser fundamentais e nem nos lembraremos que algum dia vivemos sem eles. Podem ter certeza de que muito do que já fazemos e mais ainda o que fazem os restaurantes são heranças da comida nouvelle, da tecno-emotiva (?), de outros jeitosos por aí. Principalmente do chef catalão e dos seus bons discípulos que assimilamos sem nem mesmo perceber. Só outro enorme rebuliço é que poderá trocar as novidades por outras. Mas... não são fáceis de acontecer.
Infelizmente, não tive chance de aprender a cozinhar com os novos utensílios da novíssima cozinha e sinto muita pena. Mas alguma coisa aprendi. Já tinha uma queda para isso, e os novos métodos vieram confirmar que a observação do ingrediente, com mais atenção, sem preconceitos, pode nos levar a misturar coisas, transformar gostos, provar do inusitado.
Sugiro que numa hora de fome mansa, quando estiverem entretidos com outros afazeres, como ler um livro, olhar o horizonte, peguem um pratão com restos da cozinha. Coisas boas, frescas. Uma batata-doce roxa, uns tomatinhos, um arroz frio, farinha de mandioca, imprescindível, um tamarindo, shoyu, e daí por diante. E vão comendo não lé com lé e cré com cré. Não. Lé com cré. Quando acabarem terão comido feijão com melancia como os baianos e pasteis com açúcar como os mouros.
O melhor seria fazer as misturas no lombo de um avião (cruz credo), viajando mundo afora. Muitas vezes não dá e pelo menos sabemos bem que quem não tem cão caça com gato.
É escritora e colunista de gastronomia da Folha há 25 anos. É formada em Educação pela USP e dona do Buffet Ginger há 26 anos.
Escreve às quartas-feiras.