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    Nina Horta

    A receita do frango ensopado da minha mãe

    11/11/2015 02h00

    Com as palavras dela, no Hospital Oswaldo Cruz, depois de uma operação. Perguntou, sorrindo, se eu estava com medo que morresse e levasse junto o frango.

    Receita:

    Lavo o frango bem lavado, gosto de colocar em água corrente, passo fubá nas mãos para dar uma certa resistência e uso limão também, ajuda na limpeza, fica até cheiroso.

    Corto o limão pela metade e vou esfregando. Aí corto pelas juntas –no começo pode ser meio difícil achar as juntas, mas com o tempo a experiência ajuda e é a coisa mais fácil do mundo.

    Daí lavo de novo e jogo o pulmão fora. Separo os miúdos e os pés (quebro os pés para que os ossinhos deem gosto ao caldo).

    Retiro a pele do pescoço e, com uma faca amolada, todas as outras gordurinhas do frango, inclusive da moela. Junto as gorduras e ponho numa panela com uma colher grande de óleo.

    Prefiro panela de alumínio, a de ferro esquenta demais. Arrumo os pedaços do frango por cima, com cuidado, encaixando uns nos outros para que caibam direitinho, como se fosse um quebra-cabeças. De preguiça, também, porque se não couberem na panela tenho que fazer a mesma coisa duas vezes. Refogar uma metade e depois a outra.

    De vez em quando viro os pedaços de frango com cuidado para não queimarem, ou grudarem demais no fundo.

    Deixo corar bem, mas sem exagero para a pele não ressecar e o frango ficar duro. Junto:

    2 dentes de alho socados com 1 colher de chá de sal

    Mexo, ou melhor, empurro os pedaços de cá para lá para não deixar queimar o alho. Quando o alho estiver corado, mas não preto ou queimado, junto ½ xícara de café de água fria. (Ah, não sei direito, vai do dia, às vezes ponho 1 xicrinha de café inteira.)

    Deixo secar, agarrar no fundo, sem queimar. Repito isso umas duas vezes ou mais. Você vai saber, com a repetição da receita, a hora de colocar outra xicrinha de água, pelo barulho, chzzzz, que o frango vai fazer, na panela.

    O caldo vai se formar com o queimadinho do fundo da panela, que se solta na água. Daí cubro o frango com água fria, e junto um amarrado de salsa e cebolinha, os pés quebrados e o pescoço. Abaixo bem o fogo e tampo a panela mal a mal... Não deixo o caldo secar, se for preciso vou juntando água aos pouquinhos.

    Você entendeu? Estou formando o caldo com aquele fundo que gruda na panela e a água, aos poucos. Só junto os miúdos quando o frango estiver quase macio. Lembre-se que não se refogam miúdos. Quando ferve, provo o sal para ver se está bom. Ponho mais, se for preciso. Deixo repousar um pouco e, se tiver muita gordura, retiro o excesso.

    Se a salsa e a cebolinha estiverem muito feias (e sempre estão), tiro com um garfo e junto outro buquê fresquinho.

    Estou te dando a receita porque você pediu, não acredito muito nelas, é só o jeitão de fazer. Tudo depende muito da panela, do próprio frango, do fogo... a experiência de repetir e repetir é que vai te ensinar.

    *

    Essa receita dava margem a pequenas variações ocasionais. Com o tempo, começou a juntar castanhas portuguesas descascadas e semi cozidas, depois do frango refogado. Muitas vezes as castanhas eram substituídas por pinhões cortados em rodelas. (Acho que gosto da Bela Gil por isso. Podia substituir pelo que lhe desse na telha e ficasse gostoso.)

    Quando queria fazer frango com quiabo, limpava o quiabo, tirava as duas pontas, secava um por um com pano bem seco. Cortava em rodelinhas finas. E separava. Quando o frango estava a ponto de comer, jogava os quiabos na panela com muito cuidado e não mexia quase nada. Depois do frango pronto retirava algum excesso de gordura com a colher. O quiabo tinha que ficar trincando, al dente. Na hora de servir, juntava salsinha picada. Era sempre servido com angu quando tinha quiabo junto.

    Esse mesmo frango podia se transformar em frango "chinês", com amendoim torrado, cebolinha, pimenta-do-reino, um pouquinho de saquê e molho de soja ou não.

    Dou a receita básica porque ela deu nome ao livro "O frango ensopado da minha mãe". E nem tenho certeza de que as pessoas vão gostar. Não leva tomate, cebola, pimentão.

    Digo isso porque alguns pratos descritos por filhos e netos no mundo inteiro são sempre tidos como os melhores.

    Quantas vezes não nos assustamos quando o filho e o neto repetem a receita? Para nosso paladar, ruim pra burro. Quem amava, amava por ser justamente filho ou neto. Mas o mundo das receitas é assim, camadas de afeto na panela.

    Registrado a pedidos, ok?

    nina horta

    É escritora e colunista de gastronomia da Folha há 25 anos. É formada em Educação pela USP e dona do Buffet Ginger há 26 anos.
    Escreve às quartas-feiras.

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