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    Nina Horta

    A parte da necessidade

    06/04/2016 02h00

    Nem sei do que conversar. Nesses dias caindo de maduros, para não dizer de podres, vai me dando uma preguiça de falar em comida. Ainda bem que comida não é só fuga, tem a parte da necessidade. Mas a minha coluna sempre foi de COMIDA e não de fome e por mais que queira conversar sobre as misérias do mundo estou engarranchada ali, no mesmo lugar, escrevendo sobre pratos e panelas que dão prazer. Cada um no seu lugar.

    Vocês sabem que donos de bufês raramente cozinham, passam os dias lendo livros e revistas de culinária, conversando com os clientes ao telefone, fazendo cardápios, e provando... Não me é segredo que a palavra embonitar, que nem existe, é que me move, mal a amiga mencionou a Tailândia já corro para cortar um bambu lá fora com a faca que o Amyr Klink me deu, bendita faca. E com o simples colocar pratos na mesa, lichias, mamões verdes, curries, o cardápio vai tomando forma.

    Aí também é que as coisas se complicam. Se você quer fazer tailandês, é quase sempre um arremedo, combinado, um arremedo gostoso, o que importa?

    Temos jeito de ir à Liberdade? Porque sem os ingredientes básicos não vai dar. Se tiver um elefante trombudo e cinzento, ponha sobre a mesa para ele te ajudar, dizem que os elefantes têm uma memória... de elefante.

    Você tem uma wok? Precisa. E um steamer de bambu, que se compra lá também, e que cozinha a comida em minutos? Um almofariz com mão de almofariz e muito pesado é imprescindível, uma vez a Marina, tailandesa, me deu o dela quando pensou que iria morar na Tailândia para sempre.

    Ainda bem. Como é que eu iria carregar aquilo um dia? Numa mala? A coisa que tailandês mais gosta de fazer é socar a mão do pilão com força, batendo com ritmo, não é mesmo, Marinowska?

    Os ingredientes também estão na Liberdade, mas sem o elefante e uma listinha vamos esquecer de alguma coisa: dois potes de pasta de curry, um vermelho outro verde, coco fresco para ralar, leite de coco, arroz cheio de amido, molho de peixe (oyster sauce ou fish sauce). E o que mais, seu elefante? Pimentas, coentro, alho, erva-cidreira, limão, molho de soja, manjericão, folha de bananeira, galangal ou gengibre novinho, molho de tamarindo, cúrcuma, os fonds dos franceses, fond de carne, fond de galinha, capim-limão.

    E o arroz tem que ser moti para fazer o sticky rice, arroz grudento. Todo o jantar é desculpa para comer sticky rice, que é feito no vapor, tem cheiro de arroz e gosto de arroz, e pode-se comer frio ou quente, e até com a mão, de tão grudento que é. Combina com tudo no mundo, mas se você compra o arroz errado, babau, não fica nem um pouco grudento, ao contrário, coisa mais solta do mundo, se esparramando pelas brechas do bambu.

    E as frutas, verdes e maduras, frutas parecidas com as brasileiras, querendo apodrecer de doçura, mal se aguentando no seu mel que fermenta... e todas as ervas, as fortes, as picantes, as que mordem a língua, as amargas, as verdes limpas, as roxas doces, as olorosas somente.

    Não é preciso procurar muito pela sobremesa, umas bananas grelhadas com leite de coco denso, grosso, com um pouco de cúrcuma. Ou banana frita como as nossas. Ou ilhas flutuantes, que são ovos nevados, claras batidas sobre um creme fino. E fios de ovos. E arroz-doce. Bananinha-ouro cozida também no leite do mesmo coco de sempre. Ah, o elefante esqueceu dos amendoins torrados e socados como uma farofa, com bastante pimenta seca e um tico de sal. E da jurubeba, esquecemos da jurubeba, que contém o amargo necessário. E quem vai fazer a sopa picante de camarão?

    Essa é fácil, com os ingredientes logo à mão. Camarões com casca, água. Molho de ostra, pimentas frescas. Suco de limão, raspas de limão, coentro. Salgada, azeda e picante, são os sabores que procuramos. E o peixeiro é bom? E a galinha, a galinha? Alguém tem jeito para esculpir melancia, serrilhar tomate, rechear lichias, combinar o gosto do lombo de porco muito moído e apimentado com o sabor da lima que corta o barato?

    Não vou fazer carne picadinha com mangostão, mas posso fazer com pitomba, aquela fruta de madeira fina, que na China se chama olho do dragão. Aquela cheia de sombra e pouca água, dulcíssima, que está na época, e aquele pato do freezer vai bem numa sopa de cebolinha verde.

    Elefante dos infernos, tenho que fazer um relish, vai o indiano, de tomate, que é uma delícia. E trouxinhas de massa recheada, não vai dar tempo de fazer também, melhor comprar num bom fornecedor, daquelas menores para cozinhar em casa, em água, num minuto, sem deixar passar do ponto e comer com molho de soja e um gengibre novo, fresquinho, ralado por cima.

    Então o menu ficou com cara de chinês, indiano e tailandês. Assim é que é bom. Uma entradinha de wontons com gengibre e soja. Bastante arroz, na verdade o prato principal. Um curry de camarões, bem picante, e três molhos para acompanhar. Não dá muito trabalho e pode-se conversar bastante. E dar risada. E errar o arroz para acertar da próxima vez.

    Enfim, nem se começou a fazer o jantar ainda e a trabalheira já foi grande e os amigos telefonaram que não vinham. Não vinham? Esquece, tem que vir a pau, levanta da cadeira e vem. Provavelmente existe macumba na Tailândia, também, e se não vierem já, a encruzilhada vai vibrar em fogos fátuos. Ora, já se viu! Ah, meu Deus, e o tamarindo? E a manga, e a cana?

    Receita de chutney de tomate

    Ingredientes
    2 1/2 cm de gengibre descascado
    2 col. de óleo
    2 pimentas dedo-de-moça sem sementes
    6 dentes de alho espremidos
    ½ kg de tomates sem pele cortados em pedaços
    1 col. (chá) de sal
    ½ xíc.(chá) de açúcar
    Cominho, sementes de mostarda e fenogrego

    Preparo
    Corte o gengibre em tirinhas. Esquente o óleo em fogo médio e acrescente ½ colher de chá de cominho, de sementes de mostarda e, se tiver, fenogrego. Acrescente as pimentas picadas, o alho e o gengibre. Mexa um pouco, cerca de cinco minutos. Acrescente o tomate, o sal e o açúcar, mantenha em fogo baixo por meia hora

    Receita de chutney de coco

    Ingredientes
    1 col. de óleo
    ½ col. (chá) de mostarda em grãos
    3 pimentas malaguetas
    1 ¼ de xíc. de iogurte natural
    1 coco fresco cortado em pedaços
    2 col. (sopa) de suco de limão
    1 col. (chá) de açúcar
    ½ col. (chá) de sal

    Preparo
    Aqueça o óleo junto com a mostarda e o cominho. Quando os grãos começarem a pipocar, adicione a pimenta. Retire do fogo rapidamente e coloque no liquidificador. Junte os ingredientes restantes e bata bem até o coco ficar triturado. Rende três xícaras.

    nina horta

    É escritora e colunista de gastronomia da Folha há 25 anos. É formada em Educação pela USP e dona do Buffet Ginger há 26 anos.
    Escreve às quartas-feiras.

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