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    Nina Horta

    Como todos os presentes, mas não tomo nota

    07/12/2016 02h00

    Todo cronista tem seu dia de branco e os leitores é que precisam aguentar —quando percebem, já estão dentro de uma página sem assunto. Resolvi por um tema e quero saber as frescuras de vocês, também. Quem não sabe a sensação de impotência diante de uma cozinha da qual você perdeu o controle, por causa de umas férias, doença ou o que seja. E não estou falando de arroz, feijão, sal, açúcar, mas daqueles pequenos vícios que se tem, que nos encaminham para os pratos que nos salvam com uma visita inesperada ou um desejo de madrugada.

    Sem pensar muito sei de minhas fraquezas. Coisas bem estranhas. Pimenta calabresa, tomate, alho, azeite bom. Um macarrão da Mesa 3. Jabá dos jabás, sempre tenho uma pasta da Aninha que ela manda de presente, graças a Deus.

    Antigamente eu ganhava um monte de presentes, amostras, etc., mas acho que caiu meu prestígio. Só de vez em quando bate na minha porta um mimo simpático. E vem sem endereço, e passa o tempo e nem se agradece. A Sheila Mann deixou aqui três caixinhas de homus, cada um com um sabor. Há anos que ela faz uma campanha de paz por meio da comida. Sempre quis ir tomar parte, não tanto pela paz, mas pelas ótimas coisas que ela faz e sabe saber —comidas judaicas sefaradim. E me lembro de um leite de amêndoas que tomei na casa dela, no bar mitzvah de um filho que me deixou siderada até hoje. Era um tanque de leite de amêndoas e acho que bebi a metade, refrescante, sendo que era cozinheira da festa, com amplos poderes sobre a comida. Agora, todo mundo pode comprar os homus dela, leves, gostosos, prontinhos. Isso é que é o melhor.

    E a Chocolat du Jour me mandou um presentinho de Natal, lindamente embalado, pequenos quadrados de chocolate que fiz a besteira de guardar perto da cama. E na madrugada dá aquela fome e ataquei o presente, que era muito leve, o chocolate por fora e uma massinha por dentro. O que seria a massinha? Tão conhecida e ao mesmo tempo tão difícil de adivinhar. Panetone, minha gente, panetone. Sem frutinhas e sem cheiro de panetone. Adorei e não agradeci, é claro, culpada da madrugada gulosa. Ótimo, leve, saboroso, e o pior é jogar fora o embrulho para não ter que confessar à família que se acabou o que era doce. "Você comeu todos, não acredito", gemem eles...

    E teve um presente que foi engraçado. Vinham aqui duas pessoas da Folha e eu tinha que ter qualquer coisa, porque sendo da Folha é patrão, tem que agradar. Na hora que eles chegaram e eu à míngua, me telefona uma promotora, uma menina que conheço desde as fraldas, perguntando se eu estava em casa, pois ela queria me mandar um pão da padaria da esquina. Como os convidados já tocavam a campainha, estranhei, mas crise é crise, que venha o pão da padaria da esquina. Preferiria alguma coisa mais chique, mas quem não tem cão...

    E até me esqueci, quando já com uma água de coco na frente, chegou um pacote da Padaria da Esquina, não da padaria da esquina aqui de casa que não prima por delícias. Pois tinha de tudo um. Provamos do bom e do melhor: pãezinhos redondos, quadrados, claros e escuros, doces e salgados. Eu tão maravilhada quanto as visitas, pensando firme em me tornar cliente da Padaria da Esquina. Depois, fiquei pensando com meus botões: "O pessoal da Folha vai pensar que nado em guloseimas por escrever uma crônica semanal e jamais vão aumentar meu salário, tão bem alimentada sou". Foi ingenuidade minha, tinha que dizer que havia encomendado.

    E ganho um vinho do Ciro Lilla, todo ano, e lembro da coleção de Napoleões dele, ilustrações, livros, bustos, que ajudei a formar com uns três itens. Acontece muito comigo e com vocês? Sou tão colecionadora, que quando sei da coleção de alguém passo a comprar também os itens da coleção do outro e presentear, pois dá muito menos culpa contribuir para a coleção alheia do que para a sua própria.

    E tem o vinho do Bernardino Iglesias, ah, que simpatia de casal, ah, que carne gostosa!

    E o panetone do Fasano, indefectível, anunciando o Natal. Adoro o Fasano. Outro dia, um restauranteur me chamou de velha ultrapassada porque ainda gosto do Fasano. O que fazer? Um restaurante à vontade, chique, caro para mim, mas tudo de bom, ora bolas. Vou morrer gostando Fasano. Não me chamem de velha e, sim, de senhora de bom gosto, por favor.

    E pronto, um bom jabazinho, sou grata, muito grata. Alguns decepcionam, mas quase nenhum. Estava na hora da fome de quem não almoçou, quando chegou um pote de uma berinjela deliciosa, um confit, e me botei a comer. Tinha um telefone no rótulo, resolvi agradecer na hora. "Obrigada", "de nada", eu mastigando deliciada, contente, quando o presenteador me informou, "E quem diria que isso é casca de banana, não é?". Pano rápido, odeio casca de banana! Infeliz, burra, se fosse cicuta, você comeria também, esganada!

    Vejam, já ia me esquecendo do ketchup orgânico da família Strumpf, que dá para comer puro de tão gostoso. O senão é que jamais falo de quem me mandou presentes, um problema. Atenção, promotoras, não tem retorno, caiu aqui eu como e esqueço de tomar nota, endereços, etc. Não paga a pena, podem me cortar da lista.

    Leticia Moreira/Folhapress
    Fatia de panetone do Fasano
    Fatia de panetone do Fasano

    *

    Essa croniqueta sem assunto é muito lida no Face, vamos fazer uma quarta-feira de contar o que te faz falta na cozinha, o que firma seus pés no chão, o que te inspira e agrada aos outros. Já ia me esquecendo de três panelas que guardo lá no alto, trouxe de Nova Iorque, comprei no Hammacher Schlemmer, não acabam, são jeitosas, não esquentam os cabos, ah, minhas panelas velhas ainda novas!

    Ah, um queijo duro para ralar e alguns limões e alegria das alegrias se houver uma grande berinjela.

    nina horta

    É escritora e colunista de gastronomia da Folha há 25 anos. É formada em Educação pela USP e dona do Buffet Ginger há 26 anos.
    Escreve às quartas-feiras.

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