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    Nina Horta

    Há lugar melhor do que na rede social para se conseguir boas ideias?

    23/08/2017 15h30

    Vamos falar de qualquer coisa hoje, pois os meus leitores estão em uma rede social e só conversam do assunto que querem. Não adianta inventar um tema que um leitor vai lá e muda tudo. Mas... o importante é bater papo sobre comida, ficar teimando até morrer sobre o tipo de panela que é mais aconselhável para se fazer um risoto perfeito. E é bom, um jeito de se aprender e gravar qualquer coisa para sempre. Água mole em pedra dura tanto bate até que fura.

    Ando com comichões de escrever outro livro. Lembro-me que foi no outro dia mesmo que vocês me ajudaram a escolher um nome para "O frango ensopado da minha mãe" e o nome que ganhou foi "Das tripas, coração", e a editora batizou com o nome que quis, ora bolas.

    Mas existem tantos livros de cozinha, eu bem sei. Falar sobre o quê? Ingredientes? No Brasil? Precisaria ter mais 3.000 vidas. Reminiscências, nem pensar. É o que é mais fácil e todos gostamos. Mas haja outras vidas para se lembrar, desta já lembrei tudo.

    História da comida brasileira, se eu soubesse até que fazia, mas preciso de assessores como um deputado de primeira viagem. Talvez se enfiar numa cidadezinha de interior por um ano e descobrir como se formaram os costumes de lá, mas não sei se dá tempo. Imaginem deixar para trás um livrinho tão bobo e inacabado ainda por cima.

    O que eu gostaria mesmo de ter e não de escrever seria um livro de fornecedores, dos melhores, com endereços certos, telefones, entrevistas. Mas, numa época assim, como esta, em que tudo fecha as portas, o perigo era acabar o livro com ele já datado.

    Outra coisa boa para quem faz crônicas é ir a restaurantes para lá de desconhecidos e catar uma comida boa, ter uma conversa com a imigrante desconhecida, conversa de olho no olho, de mulher para mulher e tomar nota de cada detalhe daquela papinha coreana que ela tomava quando pequena e gripada. Eu gosto desse livro e vocês? Precisava ser feito de receitas nunca vistas, improváveis, porque já tem livro demais neste mundo de Deus.

    Tem livro que não vende, mas eu gostaria de ler um assim, uma bibliografia das melhores, desde o começo dos tempos até hoje. Só a mãe do compilador que compra e assim mesmo com certo esforço e em muitas prestações.

    Entrevistas bem feita, caprichadas, bem pensadas são ótimas de se ler. Adoro. A história daquele ovo frito no azeite e cheio de pimenta do reino. O pirão de farinha de mandioca com muito limão pra se comer com peixe. Coisas escondidas lá no fundo das cabeças e que o escritor arranca de lá com seu bisturi afiado, antes que seja tarde demais.

    Quero e preciso de palpites aos montes e há lugar melhor do que na rede social para se conseguir boas ideias, flashes de uma infância gulosíssima? Não, não há.

    O Frango Ensopado da Minha Mãe
    Nina Horta
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    Vamos pensar nisso, já estamos construindo no grupo "o nosso prato de cada dia" um minidocumentário de nossa comida. Sem frescuras de restaurante, nossa mesmo, aquela que dá para fazer e comer nos dias de hoje. Tanto se falou em nouvelle cuisine, em Ferran Adrià, e é fácil verificar a herança deixada. Vamos tocar a campainha de vários vizinhos na hora do almoço e do jantar. O que estarão eles comendo? De que modo foram atingidos por esses dois movimentos? (O Ferran sozinho já é um movimento). Desconfio bem de como serão seus pratos. E você, o que acha?

    Dado Ruvic/Reuters
    Homem segura celular em frente à tela com imagem do Facebook
    Homem segura celular em frente à tela com imagem do Facebook
    nina horta

    É escritora e colunista de gastronomia da Folha há 25 anos. É formada em Educação pela USP e dona do Buffet Ginger há 26 anos.
    Escreve às quartas-feiras.

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