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    Nina Horta

    Por que não inventar o que Caetano Veloso gostaria de comer?

    01/11/2017 02h00

    Pra lá de Marrakech.

    Estava cansada de digitar. Fui me refrescar um pouco escutando o Caetano, já atrasada com a matéria. Espairecer. Dei com ele, bonito, "solo sé que aturde la vida como un torbellino, que me arrastra a tus brazos en ciega passión".

    Um "caballero" de fina estampas com erres profundos, voz grossa, uma piscadelas desmentindo a pose de "caballero".

    Ah, e o livro? "Verdade Tropical", o homem cordial? Reeditado? E o meu? Quero comparar. Algum filho roubou, parece-me tão diferente do outro, que vergonha, não me lembrava de tanta coisa, "aunque sea pecado, te quiero, te quiero lo mismo".

    Fernando Young/Divulgação
    Caetano Veloso, que lança nova edição de seu livro "Verdade Tropical"
    Singer and songwriter Caetano Veloso
    Verdade Tropical (Edição Comemorativa)
    Caetano Veloso
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    Compro em e-book e não consigo parar de ler, como se fosse a primeira vez. Leio engolindo inteiro, falo de boca aberta como os italianos dos filmes a que ele assistia em Santo Amaro. É uma crônica de comida que tenho a fazer. Há que falar sobre comida, mas ele comenta pouco, só uma linha sobre os amigos, a qualidade do que se punha na mesa em casa, as tradições se sedimentando nas festas.

    Não vai dar tempo de ir ao "mercado de la ciudad, su carga comprar, el pueblo está muerto de necesidad".

    Estranho o livro. Mas gosto, gosto muito. Não consigo parar. Só um medo fundo que ele um dia se ponha a escrever como o Mangabeira Unger que tanto admira e que me parece dominar outra língua, desconhecida pra mim. Chô, Mangabeira!

    Mas por que não inventar o que o Caetano gostaria de comer enviesado pelo que gosta de cantar?

    Uma comida brasileira de boa qualidade, ligada à literatura, ao teatro, cheia de referências, ligada ao mundo. Que reflita o lugar e a região. Muitos cozinheiros contemporâneos já chegaram a esse conceito da paisagem no prato, as emoções do lugar, os corações dos que vivem lá, os sentimentos. Carcará, pega, mata e come.

    O cozinheiro artista como médium, sem copiar os estilos alheios, deixando o corpo mole, atravessado pela vida sensual e feliz do Recôncavo.

    Uma comida que é um samba? Tá, mas um samba domado, pensado, um pouco de rock and roll. Estereótipos pisados. Basta de mulatas douradas de salto alto, vamos à "Bahia pré-arcaica e à Brasília futurista".

    nina horta

    É escritora e colunista de gastronomia da Folha há 25 anos. É formada em Educação pela USP e dona do Buffet Ginger há 26 anos.
    Escreve às quartas-feiras.

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