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    Nizan Guanaes

    Luto

    17/09/2013 03h00

    Francesc Petit é o grande pai da propaganda brasileira moderna, da propaganda popular brasileira, essa que vira parte de nossas vidas e a gente nunca esquece. Tudo o que veio de bom na nossa propaganda nasceu dele. E isso não é um exagero publicitário.

    Petit, o P da agência DPZ, era aquele sargento bravo de filme. Parecia que estava o tempo todo lhe perseguindo, mas, no final da história, você percebia a grande alma que ele era. É que, na verdade, ele estava lhe treinando, não perseguindo.

    Ele e Washington Olivetto fizeram uma mistura que eu chamo carinhosamente de "A Dama e o Vagabundo". Petit, nascido em Barcelona, era a dama, com seu traço sofisticado, seu olhar de estrangeiro, sua intolerância ao desnecessariamente brega. Já Washington era o vagabundo, porque tinha a veia popular, brasileira.

    Mas Petit era também uma dama intolerante, que não admitia nada mais ou menos. Queria sempre o bem feito, o perfeito, o belo. Fui trabalhar com ele no quinto andar da DPZ depois de um convite do Washington. No começo, fui muito mal recebido, como aquele recruta que toma bronca do sargento logo na apresentação da tropa. E que depois se comportam como pai e filho.

    Petit era o inimigo número um do feio. Fazia coisas que no mundo politicamente correto de hoje deixaria muita gente muito ofendida. Mas aquele era outro mundo, o mundo dele. De onde saíram criações e campanhas imortais: o nome Itaú, o Garoto Bombril, o S de Sadia, o leão da Receita Federal. Petit, como vemos e ouvimos diariamente, segue vivo, porque o belo nunca morre.

    Petit era também democraticamente corajoso ao espalhar suas convicções. Peitava de funcionários a clientes de mau gosto ou que desrespeitavam a publicidade.

    É uma luta que aprendi com ele e que luto até hoje.

    As empresas não podem comprar propaganda como compram material de escritório, com todo o respeito aos grampeadores e ao papel para impressora. E as pesquisas não devem ser feitas como se fossem só testes de proteção. Elas devem testar também a criação, o gosto, o belo, o inteligente, o que vende bem.

    Com tantas revoluções acontecendo ao mesmo tempo, principalmente na comunicação, todos nós temos enfrentado a necessidade de rever conceitos e abandonar modelos. Todos nós temos aprendido a mudar. E precisamos mudar o jeito de fazer e ler as pesquisas. Elas foram uma extraordinária alavanca para o marketing, explorada com maestria por outro publicitário mítico, David Ogilvy, e fazem muita diferença até hoje.

    Mas não podem pasteurizar a publicidade e o marketing, jogando centenas de milhões de dólares no ralo pelo mundo inteiro.

    Colocar a pesquisa no controle significa menosprezar a importância e a contribuição enormes que decisões tomadas fora da curva, contrariando a média, têm sobre nossos negócios.

    São valores e lutas que aprendei muito cedo nesta profissão com o Petit. Ele pegava tanto no meu pé, que me ensinou coragem. Um dia o peitei no melhor estilo Petit e pedi que parasse de encher o meu saco, me deixasse trabalhar. Ele cedeu, e ficamos muito próximos.

    Nasci no Pelourinho, rua do Carmo, número 4. Meu pai era médico, e minha mãe, engenheira. Eu me formei em administração e me tornei publicitário. Com muito orgulho. Construir marcas é construir valor, pessoas, empresas. Construir marcas pode ser construir um país.

    E construir marcas é também construir o belo, como Petit deixava claro, sem concessões.

    Petit é o cara que precisamos aqui e agora neste momento em que a publicidade deve bater a mão na mesa e mostrar o seu valor. Afinal, é a propaganda que move o Google, o Facebook e o IPO do Twitter.

    Petit foi redesenhar outros mundos, mas deixou aqui muitos filhos prontos para a luta. De luto.

    *

    Por erro da Redação, foi inicialmente publicado hoje um texto ("A nova classe alta" ) que já havia sido publicado em outubro de 2012.

    nizan guanaes

    Publicitário baiano, é dono do maior grupo publicitário do país, o ABC.
    Escreve às terças-feiras,
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