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    Otavio Frias Filho

    A volta do pêndulo

    24/04/2016 02h00

    O governo Michel Temer vai se defrontar com a colossal tarefa de tirar o país da maior recessão da história, o fator decisivo entre os que contribuíram para a queda de Dilma Rousseff. Não bastará o clarão de alguma melhora no horizonte; será preciso que sinais de êxito apareçam logo, antes que a legitimidade apenas formal do novo presidente seja consumida na voragem desta crise insaciável.

    O sucessor contará com dois trunfos. O primeiro é um maciço respaldo em três estamentos cruciais: o parlamentar, o empresarial e o judiciário. Parece que do "presidencialismo de coalizão" vamos transitar a um parlamentarismo de fato em que o presidente acumulará o cargo com o de primeiro-ministro (pelo menos enquanto não for deposto...).

    Ao apoio empresarial a nova gestão está inclinada a corresponder mediante uma diretriz econômica pró-mercado, gastando boa parte de seu capital político na implantação de um elenco de medidas que atraiam investimentos e liberem forças produtivas.

    O fato de Temer pertencer à profissão jurídica, encarnando, aliás, uma caricatura de seus maneirismos, inclusive os de poetastro, fixa um laço corporativo entre ele e a esfera judiciária, que reivindica cada vez mais a condição de árbitra da moralidade política. Isso talvez amenize confrontações do presidente com essa instância hoje chancelada pelo entusiasmo popular.

    A extrema gravidade da situação e o desalento que cerca sua canhestra subida ao poder também podem ajudá-lo, conforme criam expectativas modestas –estamos perto do fundo do poço e não há mal que sempre dure. Seria esse o segundo trunfo: saindo de patamar deprimido como o atual, não parece implausível obter crescimento expressivo a partir do início de 2018.

    Sobram percalços. A bandeira das reformas liberais será a senha para que a oposição petista, decerto debilitada, se reanime em redor do aparato sindical que segue, como os aparelhos ideológicos, em grande parte sob seu controle. Compensações sociais que o governo Temer concederá não aplacarão um inconformismo nutrido na derrota considerada esbulho golpista.

    O governo tem pouca sustentação na sociedade, na qual o sentimento predominante oscila de hostil a indiferente em face de figura opaca e evasiva como Temer, associada a uma astúcia de gabinete que simboliza todos os defeitos atribuídos a sua mal-afamada classe.

    Eduardo Cunha, o inimigo público número um, foi o sumo sacerdote do impeachment e sobrevive na presidência da Câmara como um espectro pestilento a conspurcar tudo o que toca. Dar cabo dele seria a traição que abriria a Temer o caminho rumo à popularidade de que precisa, mas como se livrar de aliado tão perigoso?

    Existe a possibilidade de o próprio Temer ser implicado em investigações em curso na Lava Jato ou processo semelhante. Potencializado pelo efeito das providências impopulares que o governo terá de tomar, um escândalo assim poderia inviabilizá-lo. Nova versão da campanha Diretas-Já forçaria Temer a renunciar ou o Tribunal Superior Eleitoral a cassá-lo junto com a inquilina do Alvorada por causa das suspeitíssimas contas eleitorais dos dois.

    A vertiginosa crise político-econômica que acomete o Brasil há muitos meses continua a traçar um percurso desconcertante. Há elementos a sugerir a exaustão de todo um ciclo social-democrata (1993-2013), período em que, sob governos tucanos e petistas, a estabilidade financeira e a valorização das commodities sustentaram políticas virtuosas de distribuição de renda.

    As jornadas de junho de 2013, tão mal interpretadas na época, eram um prenúncio como a inquietação que se apossa dos animais antes de um terremoto. No ano passado, pela primeira vez em 50 anos, caudalosas manifestações de direita tomaram as ruas; seu impulso ajudou a depor legalmente o governo. Apesar da franja fascistoide, formou-se uma frente difusa que abarca diferentes camadas de classe média e graus diversos de liberal-conservadorismo.

    Polos de dinamismo econômico e demográfico, como o agronegócio, as faculdades particulares e o movimento evangélico, são estruturas nas quais valores de mérito, de ascensão social, de família e fé se galvanizam. Uma geração de polemistas se projetou fazendo oposição paranoica ao petismo e deu norte ideológico ao mal-estar. As próprias políticas social-democratas produzem cidadãos que gostam cada vez menos de pagar impostos. Falta estudar esse fenômeno, pois o pêndulo vai em sua direção.

    otavio frias filho

    Otavio Frias Filho, diretor de Redação da Folha, é autor de "Queda Livre" (Companhia das Letras, 2003) e "Cinco Peças e Uma Farsa" (Cosac Naify, 2013). Escreve aos domingos, mensalmente.

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