• Colunistas

    Saturday, 18-May-2024 02:24:27 -03
    Otavio Frias Filho

    Walter Benjamin pode ser relido hoje sob nova perspectiva

    16/07/2017 20h38

    Divulgação
    O filósofo e escritor Walter Benjamin
    O filósofo e escritor Walter Benjamin

    Em algum momento dos anos 1980, eram tão indefectíveis as citações extraídas da obra de Walter Benjamin e usadas a torto e a direito que um amigo, versado nesses autores, propôs uma quarentena: por um ano, ninguém mais citaria Benjamin (e acrescentou Michel Foucault e Roland Barthes, dois pensadores também esfolados pela notoriedade na época).

    Não se pode dizer que Benjamin esteja esquecido, até porque o cânone do humanismo crítico ou de esquerda a que ele pertence não se renovou nas últimas décadas. Giorgio Agamben, talvez Slavoj Zizek, são poucos os autores influentes que emergiram desde então. Mas Benjamin deixou de ser moda, o que permite ler ou reler seus textos sob nova perspectiva.

    Serve como introdução útil "Walter Benjamin - Uma Biografia", do estudioso Bernd Witte, editado agora pela Autêntica. O livro nos chega de 1985, quando foi publicado em alemão. Não é uma daquelas biografias oceânicas, a transbordar de "detalhes reveladores", mas um austero e cerrado (160 páginas) perfil intelectual voltado a reconstituir as intrincadas ideias do biografado.

    Benjamin nasceu em Berlim, em 1892. Sua carreira universitária nunca deslanchou, mas ele logo se destacou na imprensa como crítico literário e ensaísta. Exceto pela tese acadêmica sobre o drama barroco alemão e pela inacabada história cultural de Paris no século 19, escreveu sobretudo resenhas. Seu estilo era fragmentário e microscópico, como se o todo estivesse contido no detalhe. Experimentou haxixe e colecionava brinquedos.

    Converteu-se tarde ao marxismo, em meados dos anos 1920, mantendo-se, em suas palavras, "numa posição isolada à esquerda". Foi dos primeiros a projetar escritores como Kafka e Proust, que traduziu para o alemão, e colaborou em programas de rádio de Bertolt Brecht. Refugiou-se do nazismo em Paris. Com a invasão da França, tentou chegar aos Estados Unidos via Portugal, mas ficou retido na fronteira entre França e Espanha, onde se suicidou, mediante dose mortal de morfina, em setembro de 1940.

    Embora recapitule esse percurso, Bernd Witte não se detém nele. Ficam sem resposta perguntas cruciais, como o porquê de Benjamin retardar tão perigosamente sua ida aos EUA, onde já estavam exilados seus amigos Theodor W. Adorno e Max Horkheimer. O silêncio do biografado sobre a farsa dos processos de Moscou (1936-8), que parece ter criticado apenas em cartas, obtém menos de um parágrafo.

    O assunto é seu pensamento, uma versão idiossincrática de materialismo dialético sob influência do misticismo judaico, da psicanálise e da arte de vanguarda, como o surrealismo, a respeito do qual escreveu um famoso ensaio. Embora não tenha pertencido a seus quadros, o nome de Benjamin está associado à Escola de Frankfurt, liderada por Horkheimer e Adorno, que conseguiram transferir esse centro de estudos para os EUA durante a ditadura nazista (1933-45).

    Tendo criado uma poderosa teoria crítica sobre a economia capitalista, Marx não a estendera ao que chamava de superestrutura, a instância cultural, tida como reflexo ideológico da base econômica. A lacuna foi em parte suprida pelos pensadores de Frankfurt, que definiram o repertório modernista, alinhando as vanguardas políticas e artísticas numa frente única voltada à crítica do conformismo burguês que se espraiava na cultura de massas nascente (rádio, cinema e propaganda).

    No meio do caminho, foram tragados pela brutal contrarrevolução do nazismo, o que explica em parte seu tom catastrofista (Georg Lukács, que os influenciou, mas era stalinista, apelidou a Escola de Frankfurt de Grande Hotel Abismo). Depois da guerra, mantiveram uma atitude drástica, que hoje soa elitista e dogmática, contra toda manifestação da indústria cultural, termo que celebrizaram.

    Walter Benjamin - Uma Biografia
    Bernd Witte
    l
    Comprar

    Muito do que escreveram soa também passadista, depois da expansão da mercadoria aos domínios antes sagrados da arte, da religião e do afeto. Mas sua obra continua a cobrar as promessas nunca realizadas pela Ilustração, denunciando o que há de irracional no racionalismo moderno: se emancipa multidões da miséria material, o capitalismo não cessa de gerar desigualdade social e vulgaridade cultural, além de consumo perdulário e abusivo.

    Na imagem que repetia de forma obsessiva, inspirada numa aquarela de Paul Klee (Angelus Novus, 1920), Benjamin compara a história a um anjo de asas abertas a contemplar, horrorizado, as ruínas que se avolumam a seus pés, enquanto um vendaval que sopra do paraíso o empurra para um destino que ele não enxerga, pois é arrastado de costas. "Aquilo a que chamamos progresso é esse vendaval."

    otavio frias filho

    Otavio Frias Filho, diretor de Redação da Folha, é autor de "Queda Livre" (Companhia das Letras, 2003) e "Cinco Peças e Uma Farsa" (Cosac Naify, 2013). Escreve aos domingos, mensalmente.

    Fale com a Redação - leitor@grupofolha.com.br

    Problemas no aplicativo? - novasplataformas@grupofolha.com.br

    Publicidade

    Folha de S.Paulo 2024