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    Pablo Ortellado

    Exército de militantes amplifica o alcance das notícias falsas

    30/05/2017 08h00

    Reprodução
    Imagem de comercial de Donald Trump que questiona a mídia como "fake News"
    Comercial do presidente americano Donald Trump que questionava a mídia como "fake news"

    Logo depois das eleições presidenciais americanas de 2016 a utilização do termo "fake news" ("notícias falsas") disparou, tanto na imprensa, como no debate público mais amplo. Inicialmente, o termo fazia referência à grande circulação de matérias jornalísticas ou pseudo-jornalísticas de sites engajados, de combate, a cuja influência se atribuía a vitória eleitoral de Donald Trump.

    Em seguida, à medida que o termo se consolidou, ele passou a ser utilizado de maneira ampliada, dependendo de onde a pessoa se encontrava no espectro político. Trump e os comentadores da nova direita, por exemplo, costumam se referir aos dois principais jornais americanos, o New York Times e o Washington Post como produtores de notícias falsas. Aqui também, tanto a esquerda como a direita têm usado o termo "produtores de notícias falsas" para se referir à grande imprensa.

    Podemos definir as notícias falsas, num sentido mais restrito, como as matérias que, dispensando a verificação rigorosa, apresentam como fatos não apenas eventos que não existiram, como distorções e exageros ou boatos e especulações com o propósito deliberado de intervir no jogo político. A novidade do fenômeno não está no lado da produção da notícia, já que o jornalismo de combate é antigo. A novidade está no exército de militantes de cada um dos lados de um ambiente político polarizado que difundem ativamente essas notícias de má qualidade nas mídias sociais, amplificando o seu alcance.

    A polarização política atinge hoje parcelas muito expressivas da população. No Facebook, cerca de 10 milhões de brasileiros estão polarizados, consumindo praticamente apenas informações geradas por um dos lados do campo político cindido. Não estamos falando simplesmente do alinhamento entre a orientação editorial de um veículo e a posição política dos seus leitores, mas do rebaixamento dos padrões de apuração e verificação da notícia para alimentar o anseio beligerante de leitores polarizados, explorados por grupos políticos.

    Sempre que a conjuntura política esquenta, vemos a difusão massiva de notícias falsas. Na semana que antecedeu o impeachment, três das cinco matérias mais compartilhadas no Facebook eram notícias flagrantemente falsas. E o problema não se restringe aos sites da chamada "imprensa alternativa". Podemos ver o fenômeno tanto numa reportagem de uma revista semanal como a "IstoÉ" que utiliza sem cuidado uma fonte muito pouco crível para acusar o ex-presidente Lula, como numa reportagem do site Brasil 247 que repercute uma entrevista do Banco Mundial que simplesmente não existiu.

    Como cada vez mais consumimos notícias pelo Facebook, o resultado dessa guerra é a drástica degradação da qualidade da informação jornalística que alimenta a esfera pública. Cada vez que abrimos o feed de notícias para nos informarmos, como faz a maioria dos leitores, vemos praticamente apenas informações de combate, mal-apuradas ou simplesmente não apuradas que disputam nossa indignação contra a corrupção ou contra aqueles que se opõem à ascensão social dos mais pobres –as duas principais narrativas da polarização política.

    Infelizmente não há saída para o problema das notícias falsas no âmbito da comunicação. O problema é de ordem política. As saídas geralmente apontadas são úteis, mas insuficientes: podemos ter veículos jornalísticos com apuração mais rigorosa e práticas para degradar o desempenho de alguns sites "de notícias falsas" nos buscadores ou nas mídias sociais, mas enquanto não desarmarmos a polarização e a guerra de informação, vamos seguir nos informando mal e colocando nossa indignação a serviço das forças políticas que nos dividem.

    pablo ortellado

    É professor do curso de Gestão de Políticas Públicas da USP desde 2005. Fez graduação, mestrado e doutorado em filosofia na mesma universidade. Escreve às terças.

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