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    Pablo Ortellado

    O que sabemos sobre o uso de perfis falsos com propósitos políticos

    12/12/2017 07h41

    Na sexta-feira (8), a BBC Brasil publicou uma minuciosa reportagem investigativa sobre o uso de perfis falsos no Facebook durante as eleições de 2014.

    A reportagem investigou a atividade de uma empresa, a Facemedia, que para as eleições de 2014, teria contratado 40 pessoas, cada uma administrando de 20 a 50 perfis falsos para promover políticos e interferir no debate político no meio digital.

    Pelo menos 13 políticos teriam se beneficiado desse serviço, entre eles os senadores Aécio Neves (PSDB-MG), Renan Calheiros (PMDB-AL) e Eunício Oliveira (PMDB-CE). É o primeiro relato detalhado que temos de um serviço sobre o qual muito se ouve falar mas, efetivamente, pouco se sabe.

    A reportagem da BBC traz muitas novidades, mas também corrobora algumas informações que já haviam sido relatadas pelo "Blog do Sakamoto", do UOL –empresa controlada pelo Grupo Folha, que edita a Folha– que, em uma reportagem de 2014, entrevistou o diretor de uma empresa concorrente da Facemedia.

    Reuters
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    Juntas, as duas reportagens dão um panorama das estratégias utilizadas pelas campanhas políticas para intervir no debate político nas redes sociais –e não apenas no período eleitoral.

    O uso de perfis falsos nas redes sociais é uma atividade minuciosamente planejada. Os perfis falsos, chamados no jargão do meio de "personas", atendem a critérios demográficos de idade, sexo e classe social.

    Os trabalhadores que manipulam os perfis falsos, chamados de "ativadores" ou "operadores", recebem do planejamento da campanha uma ficha técnica com o histórico da "persona": se é casada ou solteira, se tem filhos, qual a profissão e quais são os hobbies. A missão dos ativadores é dar corpo às "personas", fazendo postagens que deem concretude ao personagem conseguindo, dessa forma, atrair interações com pessoas autênticas, aumentando a sua "reputação".

    Uma vez que um perfil falso se estabelece, sendo reconhecido como uma pessoa autêntica e estabelecendo relações com outros usuários, ele passa a ser utilizado de diversas maneiras para intervir no debate político.

    Engana-se quem supõe que a principal função das "personas" é apenas fazer propaganda de um candidato, embora também sejam utilizadas para isso.

    Perfis falsos manipulados por operadores mais sofisticados podem, por exemplo, se infiltrar em uma campanha adversária para ganhar a confiança de militantes e gerar desconfiança ou incerteza em um momento crítico.

    "Personas" também são importantes "semeadores" de informações, tanto na comunidade de apoiadores de uma campanha, quanto nas comunidades adversárias. Elas podem difundir acusações por meio de links de sites de notícias falsas e podem também desenvolver linhas de ataque inovadoras na forma de memes ou vídeos, que serão depois assimiladas e difundidas por militantes reais.

    Quando uma campanha é atacada pelo adversário, muitas vezes é mais importante mudar de assunto do que rebater a acusação. É o que fazem, por exemplo, os perfis falsos a serviço do governo chinês, como mostrou um estudo da Universidade de Harvard. Em vez de simplesmente defender o governo, a maior parte da ação das "personas" consiste em atropelar uma denúncia ou discussão incômoda mudando o foco de atenção para outro tema.

    Mas qual seria a dimensão do fenômeno? Pela própria natureza clandestina do serviço, sabemos muito pouco.

    As reportagens sugerem que as duas empresas manipularam poucas contas falsas. A Facemedia, que tinha operadores menos refinados e trabalhava mais com volume do que com qualidade, parece ter manipulado simultaneamente de mil a duas mil "personas", a partir de um portfolio de milhares de contas falsas.

    Já a empresa que aparece na matéria do "Blog do Sakamoto" utilizava muito menos "personas", apenas algumas dezenas, mas com uma ação estratégica muito mais elaborada. Os salários dos operadores retrata a sofisticação da operação: algo como um salário mínimo em um caso, e até cinco mil reais, no outro.

    Os valores mostram, como sugere a reportagem da BBC, que isso pode ser apenas a ponta do iceberg. Em 2014, quando o financiamento empresarial ainda era permitido e o valor de uma campanha presidencial estava na casa das centenas de milhões de reais, a ativação e operação de duas mil personas teria custado menos de R$ 100 mil mensais, um valor totalmente compatível com o orçamento de uma grande campanha.

    Duas mil "personas" que tenham criado laços com pessoas autênticas e estejam bem inseridas em comunidades estabelecidas podem fazer um grande estrago se agirem em concerto. Elas podem espalhar boatos, rumores e notícias falsas, podem difundir estratégias de campanhas na forma de memes e vídeos, podem mudar o assunto no campo político em que atuam e podem lançar qualquer link para estar entre os mais compartilhados e comentados de um determinado dia.

    Para se ter uma ideia do tamanho do problema, apenas nas últimas eleições francesas, o Facebook informa que conseguiu identificar e fechar mais de 30 mil contas com perfis falsos em um país que tem apenas um terço dos usuários da plataforma no Brasil.

    O uso de perfis falsos foi proibido na minirreforma eleitoral deste ano, mas há grande ceticismo sobre se há meios efetivos de identificar e punir os transgressores. A proibição do financiamento empresarial deveria ter reduzido a quantidade de recursos disponíveis para serem empregados com esse tipo de ação, mas a aprovação de um grande fundo público com R$ 1,7 bilhão não é muito animador. A polarização política crescente que aumenta a paixão daqueles que participam da esfera pública também cria um ambiente propício para a ação dos "semeadores".

    Recursos abundantes, polarização política e incapacidade de fiscalização sugerem que veremos muito jogo sujo nas eleições de 2018 e que os perfis falsos desempenharão um papel que pode não ser desprezível.

    pablo ortellado

    É professor do curso de Gestão de Políticas Públicas da USP desde 2005. Fez graduação, mestrado e doutorado em filosofia na mesma universidade. Escreve às terças.

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