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    Pasquale Cipro Neto

    Garrincha (também) não morreu

    25/04/2013 03h00

    Não sei exatamente de onde vem a tal brincadeira que se faz com o grande Elvis Presley. Refiro-me à famosa frase "Elvis não morreu", que, imagino, decorra de alguma visão de fãs que, por não se conformarem com a morte do ídolo ou por entenderem que a morte física não o tira do mundo, dizem (ou diziam, disseram) que "Elvis não morreu".

    Pois bem. Garrincha é outro grande ídolo que também "não morreu". Não acredita? Pois leia este fragmento, publicado há algumas semanas por um site de notícias: "Bicampeão do mundo pela seleção brasileira em 1958 e 1962, Garrincha está proibido pela Fifa de ter seu nome associado ao estádio de Brasília durante a Copa das Confederações e a Copa de 2014".

    Pobre Garrincha! Ressuscita, volta ao mundo do futebol e (de novo) enfrenta percalços, humilhações etc. O fato é que a Fifa não quer que o nome do estádio de Brasília seja "Garrincha" (ou "Mané Garrincha"), o que pode ser dito com algo mais ou menos semelhante a isto: "A Fifa não quer que, durante a Copa das Confederações e a Copa de 2014, o estádio de Brasília tenha o nome de Garrincha, bicampeão do mundo pela seleção brasileira em 1958 e 1962" (ou "A Fifa não quer que, durante a Copa das Confederações e a Copa de 2014, o nome do estádio de Brasília seja "Garrincha", bicampeão do mundo pela seleção brasileira em 1958 e 1962").

    O caro leitor certamente percebeu que no texto sugerido houve alterações na ordem e no papel sintático dos termos que compunham o texto original. Nele, "Garrincha" é o sujeito de "está" e de "ter" (sempre ele, o coitado, pobre coitado do verbo "ter", que, como já afirmei aqui diversas vezes, virou cola-tudo, intragável panaceia das panaceias). No texto sugerido, "Garrincha" não é sujeito de nenhum verbo.

    Posso estar enganado, mas parece-me que a febre pelo verbo "ter" torna quase impossível a percepção de que há outras formas de redação de textos e títulos noticiosos. Bem, no caso em questão, o grande Garrincha definitivamente não pode ser proibido de coisa alguma.

    O pessoal que redige o que se lê nas telas da TV também gosta de caprichar. Dia desses, zapeando aqui e ali, dei com este título, supercriativo: "Amiga mata a melhor amiga". Incrédulo, tive a paciência de ficar alguns minutos diante da tela, esperando que alguém se desse conta do disparate. Depois de mais de cinco minutos, desisti. Chega-se à conclusão de que ou esse pessoal é desatento, ou é preguiçoso, ou se acha acima do bem e do mal. Se fiz, está feito; não há nada a corrigir.

    Será que era tão difícil trocar o primeiro "amiga" por "mulher", "menina", "moça", "mocinha", "moçoila", "mocetona" etc., etc., etc.?

    Termino citando outra vítima dos títulos jornalísticos, o possessivo "seu", que ora cria ambiguidade ora é empregado como simples tapa-buraco, ou seja, para preencher o espaço. Veja este título, publicado há algum tempo: "Hillary Clinton tem um coágulo entre seu cérebro e o crânio". Genial! Alguém pode explicar-me o que faz aí o pronome possessivo "seu"? Vejamos como ficaria o título sem o enxerido "seu": "Hillary Clinton tem um coágulo entre o cérebro e o crânio". Que tal? Simples, não?

    Sei que a luta pode ser vã, inglória etc., mas não desisto, não desistirei. Vai aqui (mais uma vez) uma dica simples, bem simples: reler é fundamental. E vai outra dica (esta para o leitor): não limite sua leitura aos títulos. Aliás, deixe-os para lá, a menos que você goste de sofrer (e/ou de divertir-se). É isso.

    pasquale cipro neto

    Escreveu até dezembro de 2016

    Professor de português desde 1975, é colaborador da Folha desde 1989. É o idealizador do programa "Nossa Língua Portuguesa" e autor de obras didáticas e paradidáticas.

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