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    Pasquale Cipro Neto

    Dilma diz a Inácio que seu futuro...

    01/01/2015 03h00

    Talvez você tenha tido dificuldade para entender o título deste texto ou, mais especificamente, para entender de quem é o futuro em questão (de Joana ou de Inácio?).

    Pois o xis deste texto é justamente o emprego do pronome possessivo "seu", que muitas vezes pode gerar ambiguidade (duplo sentido).

    O título da coluna é fruto de outro, presente na capa de um dos nossos sites de notícias, há duas semanas. Ei-lo: "Dilma (...) diz que Petrobras é maior que seus problemas".

    Parece claro que a intenção do redator foi afirmar que Dilma disse que a Petrobras é maior do que os problemas da própria Petrobras, mas... Mas sobra uma pontinha de duplo sentido, já que, pela estrutura frasal, não é absurdo pensar na possibilidade de Dilma ter afirmado que a Petrobras é maior que os problemas da própria Dilma.

    O fato é que muitas vezes o possessivo "seu" gera duplo sentido. Essa potencial ambiguidade talvez explique este verso da magistral canção "Língua" (1984), de Caetano Veloso: "Ouçamos com atenção os deles e os delas da TV Globo".

    Nos textos jornalísticos, é conveniente evitar "seu" ou "sua" quando há risco de duplo sentido; em alguns casos, a solução é justamente usar "dele" ou "dela".

    Pense nesta construção: "Joana diz a Inácio que seu futuro político é incerto". De quem é esse futuro incerto? Bem, linguisticamente falando, esse futuro incerto pode ser tanto o de Joana quanto o de Inácio.

    É claro que, dependendo do contexto, pode haver maior ou menor clareza quanto a essa incerteza. Se trocarmos a fictícia Joana pela real Dilma, por exemplo, e se imaginarmos que, num repente de autodesdivinização e de "queda na real", a presidente já começa a dar sinais de que percebe que o seu próprio terreno pode tornar-se um tanto lutulento, veremos que a imaginária fala de Dilma a Inácio pode dizer respeito a ela mesma ou a ele...

    Essa ambiguidade seria desfeita com a receita citada por Caetano: "Dilma diz a Inácio que o futuro político dela/dele é incerto".

    E o título jornalístico citado no início desta coluna? Seria possível resolver o nó com a receita "dele/dela"? Parece que não, já que Dilma e Petrobras são nomes femininos. O jeito é mudar a frase, a construção da frase. Poder-se-ia pensar em algo como "Dilma diz que Petrobras é maior que os problemas da estatal" ou "Dilma diz que os problemas da Petrobras são menores que a estatal/empresa" ou ainda "Dilma diz que Petrobras é maior que os problemas que atingem a estatal".

    Não resisto à tentação de citar um título recente, publicado num grande site: "Jô Soares constrange Jacaré ao falar sobre o tamanho do seu pênis". Sem comentários...

    A esta altura, alguém talvez pergunte se nas estruturas comparativas o correto é usar "que" ou "do que". O leitor certamente percebeu que no título citado foi empregada a forma "que" ("maior que"), mas teria sido perfeitamente possível usar "do que" ("maior do que").

    Essa dupla possibilidade ("que" e "do que") se aplica tanto nas comparações de superioridade quanto nas de inferioridade: "Este filme é mais interessante que/do que aquele"; "Este relatório é menos detalhado que/do que aquele". É isso.

    pasquale cipro neto

    Escreveu até dezembro de 2016

    Professor de português desde 1975, é colaborador da Folha desde 1989. É o idealizador do programa "Nossa Língua Portuguesa" e autor de obras didáticas e paradidáticas.

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