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    Pasquale Cipro Neto

    'Nudes' e nudez

    26/11/2015 02h00

    O leitor habitual deste espaço sabe que sou absolutamente alheio às tais redes antissociais. Não tenho Facebook ou Twitter (embora haja vários por aí com o meu nome), muito menos Instagram e sei lá mais o quê. No entanto nada disso me impede de ficar sabendo de boa parte do que corre nesses veículos.

    Volta e meia essa minha ignorância internética me prepara surpresas, sobretudo quando se trata de decifrar códigos, símbolos, certas abreviações etc. Quando alguém me escreve um e-mail em que há algo que eu não compreendo, não hesito: mando de volta e peço tradução.

    Pois bem. Com um certo atraso (creio), dei-me conta da circulação do termo "nudes", que vi em sites em títulos como "Veja nudes de fulano/a". Ingenuozinho, imaginei que se tratasse de erro de grafia, ou seja, da troca de um "z" (de "nudez") por um "s". Nada disso. Trata-se mesmo do plural do termo inglês "nude", que corresponde aos termos portugueses "nu" (quando substantivo, caso em que funciona como redução de "nu artístico", como em "O nu de fulano/a") ou "nudez" ("A nudez de fulano/a").

    Alguém perguntará se então não seria o caso de usar logo um dos termos portugueses. Será? Essa é uma questão delicadíssima do emprego de estrangeirismos. Pelo que apurei, o tal do "nude" nada tem que ver com o nu artístico. Trata-se apenas de mais uma faceta de uma das mais graves doenças modernas, a da autoexibição, da busca incessante pelos 15 segundos de fama.

    O que quero dizer é que "nude" ganhou um sentido específico, particular, preso ao fato que originou a sua circulação nacional e internacional. Nesses casos, remar contra a maré é inútil. Corre-se o risco de promover a ressurreição de Policarpo Quaresma, impagável personagem do genial Lima Barreto.

    Uma coisa é o estrangeirismo bocó, boboca, representado, por exemplo, pelo emprego diante de público não específico de tolices como "share", "delay", "target" etc. Outra coisa é o emprego de estrangeirismos mais do que consagrados, conhecidos por boa parcela do público a que se destina a mensagem.

    Que publicitários usem em suas reuniões fechadas termos como "share" ("participação no mercado") ou "target" ("alvo") é problema deles, não tenho nada com isso, mas numa mensagem dirigida a público não específico esses termos são absolutamente inadequados.

    Dia desses, alguém me disse que participou de uma reunião de negócios em que se usou à exaustão a expressão "to do", com o sentido de coisa que se deve fazer, tarefa da qual se deve dar cabo. A cereja do bolo veio quando alguém disse que tinha "muito 'to do' pra fazer"... Elaiá! E viva o frango chicken!

    Bem, não posso deixar de aproveitar a ocasião para lembrar que em português termos como "nudez" se escrevem com "z". O que temos aí é um substantivo abstrato derivado de adjetivo, com o acréscimo da terminação "-ez" (ou "-eza").

    Exemplos não faltam: de "estúpido" se faz "estupidez", de "escasso" se faz "escassez", de "lânguido" se faz "languidez", "de "esperto" se faz "esperteza", de "fraco" se faz "fraqueza", de "rijo" se faz "rijeza".

    Nada de confundir esse caso com o dos adjetivos pátrios terminados em "-ês" (ou "-esa"), como "holandês", "holandesa", "norueguês", "norueguesa" etc. E nada de pôr circunflexo no feminino. É isso.

    pasquale cipro neto

    Escreveu até dezembro de 2016

    Professor de português desde 1975, é colaborador da Folha desde 1989. É o idealizador do programa "Nossa Língua Portuguesa" e autor de obras didáticas e paradidáticas.

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