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    Pasquale Cipro Neto

    A ordem dos termos (não) altera...

    28/01/2016 02h00

    Na semana passada, vimos títulos jornalísticos que obrigam o leitor a contorcionismos e/ou não apresentam o sentido pretendido pelo redator. O primeiro exemplo que citei foi este: "Madonna diz que durante evento ainda ama...". Como vimos, teria bastado deslocar a conjunção "que" para que se transmitisse o sentido desejado: "Madonna diz durante evento que ainda ama...".

    É provável que alguns leitores perguntem se não seria possível outra ordem e/ou se não seria possível pôr "durante evento" entre vírgulas.

    Comecemos pela segunda questão. Sim, seria perfeitamente possível pôr "durante evento" entre virgulas. Note que a palavra "vírgulas" está no plural, ou seja, nada de cometer um dos erros mais comuns quando se trata de pontuação.

    Que erro é esse? É o da "vírgula solteira", aquela que abre, mas não fecha, ou fecha, sem ter aberto...

    Tradução: escreve-se "Madonna diz durante evento que ainda ama..." ou "Madonna diz, durante evento, que ainda ama...". Nada de "Madonna diz durante evento, que ainda ama..." ou "Madonna diz, durante evento que ainda ama...".

    Percebeu onde está o nó, caro leitor? O complemento da forma verbal "diz" é aquilo que Madonna diz, certo? E o que é que Madonna diz? "Que ainda ama..." Entre a forma verbal "diz" e o seu complemento ocorre a expressão "durante evento", que indica quando Madonna diz o que diz. Isola-se essa expressão temporal COM DUAS VÍRGULAS ou NÃO SE PÕE NENHUMA.

    Vamos à segunda questão (aquela que se refere à ordem dos termos). É claro que seria possível começar pela expressão temporal: "Durante evento, Madonna diz que..."; "Durante evento Madonna diz que...". Agora ou se coloca uma vírgula ou não se coloca nenhuma.

    Vale a pena lembrar que, quando a expressão adverbial (de tempo, lugar, causa etc.) for muito longa, a opção pelo emprego da/s vírgula/s se torna quase obrigatória: "Numa tumultuada sessão de autógrafos, Madonna diz que ainda ama..."; "Madonna diz, numa tumultuada sessão de autógrafos, que ainda ama...".

    Vejamos um título recentíssimo: "Engenheiros, antes escassos, agora sobram no mercado brasileiro".

    O título é perfeito, em relação à ordem e à pontuação. A frase talvez atingisse mais o alvo com esta ordem: "Antes escassos, engenheiros agora sobram no mercado brasileiro". Note que a opção por essa ordem praticamente exige que se ponha o termo "engenheiros" logo depois da expressão "antes escassos", que claramente se refere a "engenheiros".

    A opção por "Antes escassos, agora engenheiros sobram no mercado brasileiro" não seria das piores, mas algo como "Antes escassos, agora sobram engenheiros no mercado brasileiro" já começa a criar os tais
    contorcionismos desnecessários.

    A sintaxe é um balé, caro leitor; é uma sinfonia. Não é por acaso que "sintaxe" e "sinfonia" começam pelo prefixo grego "sin-". Aliás, vale
    a pena tratar disso um belo dia.

    Sugiro que você se divirta reescrevendo o título de outras maneiras, sem esquecer a harmonia, a elegância e a pontuação, é claro. Ajudo com uma hipótese: "No mercado brasileiro, agora sobram engenheiros, antes escassos". Que tal? Ruinzinha, não? Embora gramaticalmente correta, essa construção nem de longe tem a elegância, a clareza e a força das duas primeiras.

    Estilo é tudo, caro leitor. É isso.

    inculta@uol.com.br

    pasquale cipro neto

    Escreveu até dezembro de 2016

    Professor de português desde 1975, é colaborador da Folha desde 1989. É o idealizador do programa "Nossa Língua Portuguesa" e autor de obras didáticas e paradidáticas.

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