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    Pasquale Cipro Neto

    Somos todos imbecis

    17/03/2016 02h00

    Pela enésima vez neste espaço, recorro a Paulo Freire: "A leitura do mundo precede a leitura da palavra". Permito-me, mais uma vez, explicar aos que não entendem: quem não compreende o mundo, a realidade e as suas correlações não entende a palavra, o (con)texto etc.

    A vida é um complexo e interminável texto, caro leitor. Às vezes, julgamo-nos capazes de entender ao menos os textos mais comezinhos, embora isso seja extremamente difícil ou mesmo impossível para a parcela imbecil da humanidade.

    Como diz Leonardo Sakamoto, faltam amor e compreensão de texto. Quando se leem os comentários dos "internautas" sobre determinados textos, nota-se que o analfabetismo funcional, aliado ao ódio, ao preconceito, à ignorância, à falta de sensibilidade, de cultura, de educação, gera manifestações dignas de pena, nojo, desprezo etc., etc., etc.

    Do alto da sua grande sabedoria, o eterno Umberto Eco dizia que a internet deu voz aos imbecis, o que é fato cabal, mais do que cabal. Que eu saiba, Eco não chegava a dizer que os imbecis são majoritários.
    Exemplifiquemos a compreensão torta: em suas delações, Delcídio diz que o PT isso, o PT aquilo, e automaticamente isso se torna "verdade". Quando ele diz que o PSDB isso, o PSDB aquilo, o barulho e o ódio não são os mesmos, e nada disso vira "verdade" imediatamente.

    Se você ler o que acabei de dizer como uma defesa do indefensável PT, sugiro que volte aos bancos escolares e reaprenda o beabá da leitura. Desenho, para quem entendeu tortamente: uma delação, seja contra quem for, carece de comprovação, nada mais do que isso.

    Mas agora a questão é outra. Um ponto é manifestarmos a nossa imbecilidade por avaliarmos como o Diabo gosta textos que não têm (nem de longe) o sentido que neles enxergamos, por ignorância, ódio, miopia intelectual, moral, ética.

    Outro ponto é estarmos no pleno domínio das nossas faculdades mentais e também da capacidade de compreensão dos fatos e das suas correlações e alguém tentar nos convencer de que a nossa compreensão do texto (isto é, dos fatos) não é correta, verdadeira, pertinente etc.

    Aí é o caso de inverter a proporção do que dizia o grande Umberto Eco, se é que ele não julgava majoritários os imbecis: no Brasil de hoje, nós, os imbecis, somos majoritários.

    O melhor exemplo disso tudo é o que tem feito o "governo" nas suas desesperadas tentativas de sobreviver. Os imbecis não conseguimos compreender a real intenção da nomeação de Lula para a Casa Civil, por exemplo, o que prova e comprova que somos todos imbecis. Também não compreendemos a real intenção de Dilma no telefonema para Lula.

    Os imbecis não conseguimos compreender também que nunca antes neste país houve roubalheira, ou seja, a roubalheira começou com o PT. Não conseguimos compreender, por exemplo, que, antes do PT, as empreiteiras investigadas na Lava Jato eram verdadeiros monastérios, desde a imaculada ditadura militar, recheada de santos, bravos e indefessos defensores da pátria.

    Tomo emprestados uns versos da letra da genial e atualíssima "Saudosismo", de Caetano Veloso: "Eu, você, depois, Quarta-feira de Cinzas no país, e as notas dissonantes se integraram aos sons dos imbecis". É, caríssimo Umberto Eco, siamo veramente tutti imbecilli.

    E eu já tô de saco cheio. É isso.

    pasquale cipro neto

    Escreveu até dezembro de 2016

    Professor de português desde 1975, é colaborador da Folha desde 1989. É o idealizador do programa "Nossa Língua Portuguesa" e autor de obras didáticas e paradidáticas.

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