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    Pasquale Cipro Neto

    A bendita compreensão de texto

    24/03/2016 02h00

    Publicado recentemente, o estudo "Analfabetismo no Mundo do Trabalho", do Instituto Paulo Montenegro e da ONG Ação Educativa, informa que apenas 8% dos brasileiros podem ser considerados proficientes em português e matemática. É só mais uma prova de que os 31 anos de governos civis não foram capazes de desfazer o que a ditadura militar fez com a educação no país.

    Quando eu era moleque, a escola particular (com exceções, é claro) era o famoso "PPP" ("Papai pagou, passou"). A ditadura destruiu a escola pública, e os governos civis não foram capazes de recuperá-la. A escola privada de hoje também não é um mar de excelência.

    Não preciso dizer o tamanho da catástrofe que o estudo aponta. Vê-se isso na prática, em milhares de exemplos concretos. Os nossos caminhoneiros, por exemplo, não conseguem entender as placas que indicam a altura máxima que um caminhão pode ter para passar embaixo de um viaduto ou ponte.

    Os nossos engenheiros não conseguem fazer cálculos corretos quando constroem edifícios, pontes etc. (não sou eu que digo isso; é o próprio Crea). O resultado disso...

    O consumidor não consegue definir qual é a embalagem mais conveniente, alguns (muitos) leitores não conseguem compreender textos, sobretudo quando os leem com sangue nos olhos, e por aí vai.

    Diante disso, permito-me fazer algumas questõezinhas de texto, dessas que caem em concursos públicos, vestibulares etc. Que tal? Para facilitar, darei apenas duas alternativas. Lá vai a primeira: "Leia esta passagem: 'Choveu durante a noite porque as ruas estão molhadas'. Agora aponte a alternativa correta: a) O emissor da frase certamente viu chover durante a noite; b) Não se pode dizer que o emissor da frase viu chover; o fato de as ruas estarem molhadas fê-lo supor que tenha chovido durante a noite, por isso ele afirmou o que afirmou".

    O que você marcou, caro leitor? Se você marcou "a", errou. Essa opção seria correta se o texto fosse este: "As ruas estão molhadas porque choveu durante a noite". Percebeu?

    Agora outra questão: "Leia esta passagem: 'Um cidadão chega ao banco às 15h57min, mas o encontra já fechado. De dentro da agência, o segurança aponta para o próprio relógio e em seguida faz sinal com as mãos, indicando que o expediente (que termina às 16h) está encerrado. Numa parede da agência, há um relógio digital, sempre acertado pelo Observatório Nacional, que marca 15h57min. O cliente insiste; o segurança vai até a porta e diz que a hora que vale é a dele'. Aponte a opção correta: a) O segurança tem razão; o cliente que chegasse mais cedo; b) O segurança não tem razão: não eram oficialmente 16h, e ninguém tem obrigação de saber a quantas anda o relógio dele".

    Se você marcou "a", errou, e, lamento informar, o seu caso é grave.

    Mais uma, agora com três opções: "Leia esta passagem: 'A roubalheira não começou com o PX'. Aponte a alternativa correta: a) O autor do texto diz que o PX não é ladrão; b) O autor do texto não culpa o PX pela roubalheira, já que, se não foi esse partido que a iniciou, ele está perdoado; c) O autor do texto diz que o PX é tão ladrão quanto os partidos que o antecederam na roubalheira".

    A resposta? Obviamente, é "c". Bem, quem tem sangue nos olhos deve ter ficado com uma baita vontade de marcar "a" e "b". É isso.

    pasquale cipro neto

    Escreveu até dezembro de 2016

    Professor de português desde 1975, é colaborador da Folha desde 1989. É o idealizador do programa "Nossa Língua Portuguesa" e autor de obras didáticas e paradidáticas.

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