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    Pasquale Cipro Neto

    Machado defende Dilma?

    07/07/2016 02h00

    Na semana passada, trocamos dois dedos de prosa sobre um título jornalístico que, tomado ao pé da letra, falava de um "esporte" inexistente, o "tiro à súmula" (ou "copo à súmula"). O título em questão era este: "Árbitro relata copo atirado em súmula". Obviamente, o árbitro relatou, na súmula, o fato de algum torcedor ter atirado um copo (sabe Deus em quem ou no quê).

    Quando escrevo sobre esses malabarismos, abundantes nos títulos jornalísticos (e não só neles), os leitores se encarregam de me mandar outros exemplares, igualmente confusos ou mesmo incompreensíveis.

    Uma leitora me enviou esta maravilha: "Gleisi chama ação da PF que prendeu seu marido de show". Torcicolo desnecessário, não? A própria leitora dá a solução, mais do que correta e infinitamente mais palatável: "Gleisi chama de show ação da PF que prendeu seu marido".

    Como afirmei na semana passada (e em muitas outras ocasiões), a ordem direta nem sempre é a melhor opção. O complemento de "chama" é "ação da PF que prendeu seu marido". Na ordem direta, o complemento verbal vem logo depois do verbo complementado, mas...

    Mas, como vimos, a compreensão do texto só é imediata quando se põe "de show" (modificador do complemento verbal) logo depois do verbo. Não custa repetir (sempre!): "Toda ditadura é burra, muito burra". Com a da ordem direta, a coisa não poderia ser diferente.

    Vejamos agora outra maravilha, publicada há poucas semanas: "Presidente do STF nega incluir gravações de Machado em defesa de Dilma". De acordo com o título, o que aconteceu, caro leitor? Bem, levado ao pé da letra, o título dá a entender que Machado defende Dilma nas tais gravações, isto é, nas falas que se ouvem nas tais gravações.

    Mas não foi nada disso o que ocorreu. O que aconteceu foi isto: o presidente do STF (Ricardo Lewandowski) negou recurso em que o advogado de Dilma Rousseff requer a inclusão das tais gravações na defesa da presidente afastada.

    A troca de "em" por "na" poderia melhorar um pouquinho o título: "Presidente do STF nega incluir gravações de Machado na defesa de Dilma". Aqui cabe o que afirmei diversas vezes sobre a ditadura da eliminação do artigo nos títulos jornalísticos. O resultado dessa ditadura, como sempre, é lamentável.

    Em rigor, cabe ainda outra observação, esta relativa ao verbo "negar", que não foi lá muito bem empregado no exemplo citado. Ajudo: o que se entende quando se lê algo como "General nega ser extremista"? Isso equivale a algo como "General nega que é/seja extremista", não? Tomado ao pé da letra, o título "Presidente do STF nega incluir gravações..." pode dar a entender que alguém afirmou que Lewandowski incluiu ou manifestou alguma intenção de incluir as gravações na defesa de Dilma Rousseff.

    Definitivamente, o título não é dos mais felizes. Para eliminar o ruído causado pelo verbo "negar", talvez fosse melhor escrever algo semelhante a isto: "Presidente do STF nega a Dilma a inclusão, em sua defesa, de gravações de Machado".

    Voltando aos títulos de compreensão difícil, não imediata etc., é sempre bom lembrar aos que só leem as manchetes que o resultado disso pode ser catastrófico, já que o que efetivamente se informa muitas vezes só aparece no texto propriamente dito, e não nos títulos. É isso.

    pasquale cipro neto

    Escreveu até dezembro de 2016

    Professor de português desde 1975, é colaborador da Folha desde 1989. É o idealizador do programa "Nossa Língua Portuguesa" e autor de obras didáticas e paradidáticas.

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